50º Festival de Brasília: o dia em que o “Fora Temer” virou filme

Marcus Curvelo em cena do médio baiano "Mamata"(crédito: Marcus Curvelo).
Texto: Rafhael Barbosa*. Revisão: Aline Silva.
  Imagens: Cobertura da 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

*O repórter viajou a convite do festival

A vocação política do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro é tão antiga quanto os 50 anos comemorados na atual edição. A história do evento se confunde com a trajetória moderna do país e suas edições foram palco para todos os seus dilemas. Diante da convulsão vivida atualmente pelo país, é sintomático que a nossa mais relevante competição cinematográfica reflita as angústias de uma população perplexa diante dos absurdos e retrocessos vivenciados cotidianamente nos últimos quatro anos.

Os gritos de “Fora Temer” são mais comuns por aqui do que a saudação de boa noite. Eles vêm da plateia gaiata, dos discursos dos realizadores e até da performance do ator Matheus Machtergaele na abertura o festival. Na tarde da última segunda-feira (18), um debate intitulado “Terra em Transe” colocou em discussão as possibilidades do cinema, uma arte que demanda tempo e depuração,  de representar questões tão urgentes e imediatas.

Mas foi na terça-feira (19), quarto dia de mostra competitiva, que finalmente o “Fora Temer” se materializou em filme na tela do Cine Brasília. A sessão foi aberta com o média-metragem baiano “Mamata”, de Marcus Curvelo. Também ator, o cineasta interpreta um jovem desempregado e siderado pelos problemas políticos enfrentados pelo país. Enquanto tenta arranjar um trabalho freenlancer, ele se desespera cada vez mais com as notícias do mundo político.

O dispositivo do filme é o mais despojado possível. Na maior parte do tempo, o protagonista desabafa suas agonias em conversas por Skype com a namorada que está fazendo mestrado nos EUA. Seu último recurso para levantar dinheiro é recorrer a um amigo latifundiário. Seria vender a alma. Algo que ele adia enquanto pode.

O conflito do personagem tem um potencial catártico que se relaciona com o momento de muitos brasileiros no contexto atual. E talvez essa seja a maior potência do filme. “Mamata” é uma comédia política das boas.

Heloísa e o pai em “Construindo Pontes” (crédito: Heloisa Passos)

CONSTRUÍNDO PONTES

O longa-metragem paranaense “Construindo Pontes”, de Heloisa Passos, fechou a sessão com um relato pessoal que mostra o embate entre uma filha progressista (a própria diretora) e o pai simpatizante do regime militar. A narrativa se desenvolve por meio de discussões calorosas em que os dois discordam sobre as notícias do cenário político: a condução coercitiva do ex-presidente Lula, a imparcialidade do juiz Sérgio Moro e o projeto de país proposto pelos militares durante a ditadura.

Heloisa Passos apresenta um filme-diário, utilizando sua própria voz para comentar os conflitos com o pai e fazer um retrospecto de sua formação pessoal. Registros domésticos em super-8, álbuns de família e memórias diversas servem de camada visual para o relato.

Não deixa de ser surpreendente o modo como seu pai, um engenheiro que trabalhou em algumas das grandes obras do projeto militar,  se entrega ao processo do filme, aceitando o posto de antagonista da narrativa da filha. Talvez ele soubesse que no fim seria humanizado por Heloisa, se tornando um personagem mais complexo que um simples “coxinha”.    

Para encontrar mais textos da cobertura do Festival acesse aqui.

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