50º Festival de Brasília: Segundo dia de competição faz elogio ao corpo

Texto: Rafhael Barbosa. Revisão: Nilton Resende.
Imagens: Cobertura da 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
*O repórter viajou a convite do festival

Uma boa curadoria possui a capacidade de agrupar os filmes de modo a criar o sentimento de uma sessão contínua, como se estivéssemos assistindo a uma única obra, ou algo próximo disso. O segundo dia de competição no 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro trouxe um interessante fluxo ao exibir o curta carioca “Inocentes”, de Douglas Soares, e o longa também carioca “Pendular”, de Julia Murat. Cada um a seu modo, os filmes tomam o corpo como território de suas investigações.

“Inocentes” segue o ponto de vista do fotógrafo brasileiro Alair Gomes (1921-1992) – reconhecido internacionalmente pela sua seminal fotografia homoerótica – para realizar um exercício de voyeurismo. A estética em preto e branco de Alair inspira a construção do curta em suas diversas camadas. A própria fotografia estática é utilizada como um dos principais recursos narrativos. Aliado a ela, trechos de diários íntimos (em voice-over) são sobrepostos ao seu processo de trabalho. O diretor percebe a potência que esta combinação tem, e evita poluir seu registro com recursos estilísticos desnecessários.

Acompanhamos o relato como se estivéssemos ao lado de Alain, diante de sua janela com vista para o mar carioca. Movida pelo desejo, a lente do artista percorre os corpos de homens jovens e belos, e inventa narrativas românticas e sexuais entre eles por meio do enquadramento.

Como se evocasse o próprio coito enquanto metáfora narrativa, o sentimento evolui para seu clímax, saindo do flerte às preliminares, a caminho do gozo.  Uma imersão nos signos do desejo, intimidade e do olhar para o outro.

Cena do longa “Pendular”. Foto: Eduardo Amayo

PENDULAR

Segundo longa metragem de Julia Murat, “Pendular” recebeu a chancela do júri da Fipresci (Federação Internacional de Críticos) como o melhor filme na Mostra Panorama, a principal seção paralela do Festival de Berlim. Nele acompanhamos um casal de artistas – uma dançarina (Raquel Karro) e um escultor (Rodrigo Bolzan) – que adota como lar um galpão abandonado. A convivência da dupla é pautada pelos seus processos de criação artística, em meio aos conflitos íntimos da relação amorosa. Uma conexão que muitas vezes se dá no campo da subjetividade. Uma vez abertos os poros acabam por deixar entrar angústias nem sempre desejadas.

Murat filma com extrema delicadeza, extraindo sentimentos da construção corporal da dança e das reflexões em torno da criação.

A relação entre corpo e espaço produz um tecido forte, que envolve por meio da cadência da performance de Raquel Karro. O filme caminha melhor quando o “pêndulo” está do lado da poesia. Um arco paralelo, que introduz o conflito em torno do desejo de ter ou não, um filho, resvala para o lugar comum.

Com exceção de “Vazante”, de Daniela Thomas, a competição até aqui tem sido marcada por propostas de linguagem radicalmente ousadas. Exemplar de um cinema mais acadêmico (nem por isso menos sofisticado), o longa-metragem de Thomas protagonizou uma polêmica que ainda reverbera pelos bastidores do festival.

No debate realizado na manhã de ontem (17) surgiram fortes questionamentos sobre a representação da diretora, branca e de classe média, para o problema da escravidão. A coisa esquentou a ponto de fazer do debate um dos mais calorosos da história recente do festival, ao lado da discussão sobre o filme “Cleópatra”, de Júlio Bressane, em 2008.

Se o barulho vai prejudicar a chance de prêmios do filme, ainda é cedo para dizer. Festivais são organismos vivos e muito ainda pode acontecer até a entrega dos candangos. Por enquanto, ninguém fala em favoritos.

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