COBERTURA | Circuito Penedo de Cinema 2017: Impressões de uma edição desconexa

 

Texto por Janderson Felipe. Revisão: Larissa Lisboa. Fotos: Divulgação.

O Circuito Penedo de Cinema 2017 chegou ao fim, e após a cobertura do Alagoar, compartilhado por mim e Leonardo Amaral, traço aqui algumas impressões da primeira vez que acompanhei o Circuito, a começar pela curadoria e programação das mostras e festivais.

Muita dissonância e pouca identidade

A princípio não demorou muito para entender que o Circuito sofre de um  problema de identidade, principalmente em entender o que cada mostra e festival se propõe. A começar pela 4ª Mostra Velho Chico de Cinema Ambiental, que pela primeira vez se apresentou como mostra competitiva com presença dos realizadores e premiação em dinheiro, que claramente é uma mostra que se divide entre filmes com um enfoque numa perspectiva educacional sobre questões ambientais e filmes que se utilizam de temáticas ambientais mais como argumento do que para didatismos. Sua curadoria dividida foi proposta por professores das ciências biológicas e profissionais do cinema, também o seu júri, resultando numa premiação visivelmente divida entre as duas propostas. A Mostra apresenta pontos altos passando por Amargo da Cana (de Rosivan Pereira, Suellen Ramos e Wellington Faustino), Animais (de Guilherme Alvernaz), Lameirão (de Gabriel Coimbra, Rafael Rodrigues e Rodrigo Lacerda), Manancial (de Bruno Soares) e Latossolo (de Michel Santos), este último, o grande destaque desta. Configurou-se como a Mostra de maior público devido ao comparecimento de alunos de escolas da cidade. O que causou estranhamento foi a presença de Pedro e o Velho Chico (de Renato Gaia) na mostra competitiva, além de trazer estereótipos raciais estritamente negativos, ainda mais dentro de uma Mostra com intuito claramente educacional, o filme é produzido e financiado pela Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, sendo a mesma patrocinadora do Circuito.

Latossolo primeiro filme de Michel Santos, recebeu o 2º lugar da 4ª Mostra Velho Chico de Cinema Ambiental.

Já os festivais de Cinema Universitário e Cinema Brasileiro deixam mais claro um impasse sobre a identidade do Circuito, a começar pelo Festival de Cinema Universitário de Alagoas, que reúne obras de estudantes universitários, entendendo que são olhares em construção e que um festival pode estimular a troca e o aprendizado para os estudantes. Sua curadoria se dividiu entre filmes que tinham um apreço técnico com uma forma mais tradicional e alguns outros que buscavam uma experimentação seja no gênero ou na linguagem – destaques para Quando é Lá Fora (André Pádua e Leonardo Branco), Desaparecido (de Guili Minki), Angelita (de Jéssica Conceição e Mare Gomes), As Melhores Noites de Veroni (Ulisses Arthur) e Fervendo (de Camila Gregório). O que deixou claro a intenção do cinema universitário em comentar sobre questões políticas, porém poucos entre os filmes selecionados utilizaram dessa politização em sua forma.

Ticiane (Aila Oliveira) em Fervendo, de Camila Gregório.

Contudo essa edição do Festival de Cinema Universitário de Alagoas se mostrou ineficiente em criar sessões para esses filmes que mantivessem um ritmo ou construíssem algum tipo de narrativa durante a exibições, o que se poderia apresentar como um panorama do cinema universitário ao abraçar filmes dissonantes entre si, se mostrou numa seleção desarmônica e sem proposta.

Essa perspectiva não mudou no Festival de Cinema Brasileiro, aliás estava mais desalinhada, com sessões muitas vezes maçantes, sem contar o esvaziamento de público nas duas noites em que o Festival foi a última sessão do dia, mesmo assim tivemos os destaques de Super Frente, Super-8 (de Moema Pascoini), Frequências (de Adalberto Oliveira) e Teresa (de Nivaldo Vasconcelos). Apesar dessa edição do Festival trazer filmes com um alto padrão de produção, mostrou-se totalmente deslocada do contexto da produção brasileira mais recente, seja numa falta de tino em tratar personagens femininas, seja na ausência de minorias e linguagens marginais tão fortes no cinema brasileiro contemporâneo. Pareceu existir por parte dessa edição do Festival uma busca por excelência técnica sem ter um guia do que se pretende dizer com a sua seleção.

Cena de Frequências, de Adalberto Oliveira. 2º lugar no 10º Festival de Cinema Brasileiro.

Além filmes

Um acerto importante foi a proximidade entre os locais de debate e oficinas o que permitiu um rápido deslocamento para a sala de exibição, podendo assim acompanhar todos os filmes da agenda. Um cuidado deve ser tomado com a projeção, que nos primeiros dias do Circuito apresentou som desregulado e imagem um tanto escura.

Mais importante do que esses cuidados, um grande evento de cinema deve saber transpassar qual construção de cinema pretende estimular, principalmente por movimentar uma cidade do interior de Alagoas – com um histórico de cinemas de ruas que foram se perdendo com o tempo, e hoje não possui nenhuma sala de cinema em funcionamento na cidade – uma vez que para muitos moradores da cidade ainda pode vir a ser a primeira oportunidade de estar numa sala de cinema ao prestigiar uma sessão do Circuito. É uma janela para o cinema curta-metragista tão importante para formação de cineastas brasileiros, e ao buscar priorizar dar visibilidade ao cinema que zela por excelência técnica não só se distancia da realidade local, como atesta não ver no amadorismo e experimentação possibilidades para novas alternativas e vanguardas para o cinema brasileiro. Culminando numa edição com restrita diversidade cinematográfica refletida pela composição do grupo de realizadores, onde em inúmeras sessões houve apenas uma mulher como representante de filme (quando tinha) e pouquíssimas pessoas negras entre os realizadores presentes.

Laços criados e novos caminhos

Em Penedo foi palpável os laços que se formaram dos encontros proporcionados pelo Circuito, que resultaram em debates ricos seja nos organizados pelo evento quanto nos que surgiam nas conversas de bar e corredores da cidade histórica. Principalmente por parte dos realizadores que demonstravam uma forte união solidária, como no momento em que um jurado de forma totalmente descabida questionou a falta de propósito de um filme, e nos comentários respeitosos sobre as obras e até nos debates mais calorosos. O que fez falta foi um momento para a reunião dos realizadores onde pudessem dar um retorno de algumas pontuações que nasceram da percepção do evento para à produção.

Dos laços, novos caminhos foram apresentados, é natural num festival esperar que os principais momentos saiam da sala de exibição, que a projeção numa grande tela seja a máxima representação do cinema, mas em Penedo nasceu uma bela demonstração das possibilidades que o cinema pode dar: um grupo de realizadores alagoanos, presentes no Circuito, organizaram exibições de filmes alagoanos na parede do restaurante Mauricio de Nassau. Enquanto realizadores convidados, jurados e público jantavam, imagens do cinema alagoano eram projetadas, sendo para muitos o primeiro contato com tais obras. O que não parou por aí, no último dia do Circuito, realizadores convidados se uniram a ideia e exibiram seus filmes logo depois a sessão de filmes alagoanos, para todos aqueles que perderam de ver seus filmes na programação do Circuito. Foi surpreendente ouvir alguns realizadores convidados afirmarem que se fosse em outro festival haveriam negativas da produção ou dos realizadores, mas o que se viu em Penedo foi união, uma alternativa, a demonstração de que para se fazer cinema se precisa de pouco e que o Circuito é só uma das possibilidades para dar visibilidade as obras audiovisuais.

3 Comentários em COBERTURA | Circuito Penedo de Cinema 2017: Impressões de uma edição desconexa

  1. Poxa! Respeito a opinião do autor do texto por suas preferências cinematograficas, mas nenhuma nota acerca do curta alagoano “Os Desejos de Miriam”? Exatamente um dos filmes mais prejudicados pela péssima projeção do festival e o único filme alagoano exibido na mostra a não ser citado pelo autor. Uma pena. Que algo seja dito nem que seja para criticar ou apontar falhas, mas invisibilizar é muito triste.

  2. Acho que eu fui bem claro nas minhas colocações acima. Não estava me referindo a cobertura, mas a esse texto aqui. Reclamei pelo fato de um único filme alagoano não ter sido “destaque” e por isso incluído na lista de filmes “sem destaque” que compuseram a deficiente curadoria Penedo 2017 (segundo o autor do texto). Questionei isso para criar um diálogo, afinal estamos aprendendo a fazer cinema (ou pelo menos eu estou). É uma visão dele, mas que eu quis chamar atenção. Se nós não falamos nada que nos incomoda (e sim eu fiquei incomodado de apenas “Os Desejos de Miriam” não ter sido citado), manteremos o tradicional silêncio e indiferença tão costumeiro ao nosso carácter provinciano. Não me levem a mal.

    Abraços.

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