Com Maceió e Cachoeira, diversidade regional arrebata Festival de Brasília

O diretor Ulisses Arthur (à direita) ao lado da protagonista Lais Lira, do produtor Arlindo Cardoso e da produtora executiva Thamires Vieira (Crédito: Junior Aragão)
Texto: Rafhael Barbosa*. Revisão: Aline Silva.
 Imagens: Cobertura da 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

*O repórter viajou a convite do festival


Em seu terceiro dia de Mostra Competitiva, o 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro segue desvelando a vibrante narrativa criada pela curadoria. A programação da segunda-feira (18) conseguiu criar um belo diálogo entre os filmes exibidos e, ao mesmo tempo, também se relacionar de maneira orgânica e fortemente integrada ao material exibido até aqui.

Foi também o dia da esperada estreia de “As Melhores Noites de Veroni”, do alagoano Ulisses Arthur.  Nascido em Viçosa, o diretor de 23 anos acaba de concluir o curso de Cinema e Audiovisual na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, em Cachoeira. Ulisses subiu ao palco do Cine Brasília acompanhado de parte de sua equipe, entre eles a protagonista Lais Lira (Cia. do Chapéu).

A atriz Lais Lira durante o debate do filme As Melhores Noites de Veroni (crédito: Junior Aragão)

Em sua fala, o diretor fez um discurso forte (clique aqui ou confira abaixo), relembrando o hiato de 32 anos entre seu filme e a última produção genuinamente alagoana presente na competitiva do festival (o documentário “Memória da Vida e do Trabalho”, de Celso Brandão). Diante de uma plateia formada pelos principais nomes da imprensa especializada no Brasil e de dezenas de cineastas de todo o país, ele também mencionou o atraso no pagamento do IV Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual de Alagoas, lançado pela Secretaria de Estado da Cultura, e comentou os prejuízos que isso tem causado para o setor.

 

Logo na sequência, a equipe do longa “Café com Canela”, também fruto do movimento cinematográfico que vem surgindo no recôncavo baiano, fez uma apresentação cheia de musicalidade e emoção, prenunciando o clima que seria visto na tela.

Ao exibir um longa rodado no interior da Bahia e um curta que representa uma cena ausente há mais de três décadas no festival, a sessão trouxe o impacto da diversidade regional que foi estrategicamente abraçada por esta edição do festival.

OS FILMES

“As Melhores Noites de Veroni” ganhou o público com a jornada de uma cantora de barzinho (Lais), ao mesmo tempo em conflito com a ausência de marido caminhoneiro (Jorge Adriani) e sua paixão pela música. De carpintaria simples, o curta se concentra na espacialidade doméstica de um apartamento,  apostando suas fichas no carisma da protagonista e em pequenos lances de sutileza do roteiro. A escolha se mostrou acertada e o filme  alcança um resultado bem resolvido dentro de sua proposta. A resposta da plateia foi bastante positiva com aplausos calorosos ao final da exibição.

A equipe do longa baiano “Café com Canela” (foto: Junior Aragão)

Com o terreno preparado, “Café com Canela”, de Glenda Nicácio e Ary Rosa, foi responsável pelo grande momento da mostra competitiva até agora. Em contraponto ao distanciamento provocado pela densidade  das propostas artísticas anteriores, o longa-metragem baiano abusa da empatia desde seus primeiros minutos.

O roteiro articula uma narrativa em espiral, transitando em três núcleos paralelos, todos dentro do universo prosaico e interiorano da cidade de Cachoeira. Um médico homossexual (Babu Santana), uma jovem quituteira que cuida da avó senil (Aline Brunne) e uma mulher de meia idade fraturada pela perda do filho (Valdinéia Soriano), são fios condutores de histórias entrecruzadas pela geografia e também pelo luto que, em algum momento, irá envolver a vida de todos.

Ambos estreantes, os diretores surpreenderam o público ao construir um cinema popular que não tem medo de acessar o humor, o melodrama, a musicalidade e o até pitadas de thriller psicológico dentro de um mesmo caldo. Vai da comédia ao pesadelo com fluidez.

Em certo ponto da narrativa, Margarida, a mãe enlutada interpretada com total entrega por  Valdinéia, acaba por se tornar o centro das atenções quando seu arco se cruza com o da vendedora Violeta (Brunne). Alguns dos momentos mais tocantes do filme vêm do encontro entre as duas mulheres. O desfecho de redenção foi um alento para o público.

Valdinéia Soriano e Aline Brunne em cena de “Café com Canela”. (Crédito: Rosza Filmes)

DEBATE HISTÓRICO  

Não citar, até o momento, que todos os personagens do filme são negros é reflexo de como os diretores abordam a questão racial. Como a co-diretora Glenda Nicácio fez questão de evidenciar no debate realizado esta manhã (19), “Café com Canela” não é uma história sobre o preconceito. A produção faz uma crônica do cotidiano e das questões humanas de seus personagens, dando a eles a mesma dignidade e protagonismo que personagens de qualquer etnia teriam. O filme foi o primeiro de fato ovacionado pelo público no festival até aqui, mas sua dimensão foi realmente sentida na manhã seguinte.

Se o debate de “Vazante”, de Daniela Thomas, foi marcado por críticas ao modo como a diretora representa o negro num filme sobre escravidão,  “Café com Canela” apontou para o espectro oposto do problema, apresentando um retrato afetivo e empoderado de seus personagens. Sucedeu-se uma série de depoimentos muito emocionados, especialmente de mulheres negras que disseram se sentir representadas pelo filme como nenhum outro na história recente do cinema brasileiro. O debate caminhou para um clímax de emoção que atingiu seu ápice quando Glenda, com a voz embargada, disse ter consciência de sua responsabilidade enquanto artista negra ao representar muitos outros como ela.

Público aplaude equipe de pé no debate do longa baiano (Crédito: Junior Aragão)

Nesse momento a plateia aplaudiu a equipe de pé.

Pelo depoimento de alguns cineastas presentes, é possível prever que “Café com Canela” deve virar um marco na discussão da representatividade e poderá influenciar muitos outros projetos futuros. Depois desse terceiro dia de competição, já podemos anotar um nome na lista de favoritos ao troféu Candango.  

 Para encontrar mais textos da cobertura do Festival acesse aqui.

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