Crítica: Meninos do Francês (dir. Duda Bertho)

Texto: Felipe Duarte. Revisão: Chico Torres.

Surdez subaquática

As ondas azuis da Praia do Francês são talvez algumas das maiores atrações que o estado tem a oferecer. Ponto turístico clássico, o local tem sido isca para viajantes e ponto chave para cultura do surfe na região. O povo que reside naquelas areias, no entanto, existe longe do mesmo holofote que atrai os turistas e a classe alta, com suas condições e necessidades ofuscadas pelo pôr do sol da orla, que mais agrada como cartão postal.

Dentro dessa realidade menos notória, mas muito relevante, é que se situa Meninos do Francês, apresentando um grupo de jovens que passa a maior parte de seus dias em cima de pranchas e com o sal do Atlântico na pele, enquanto encontram surfando uma oportunidade de modificar suas vidas. Ao mesmo tempo, são expostas as dificuldades que esses jovens têm de se manter no esporte, dependendo da caridade e do sacrifício pessoal de suas famílias.

Existe uma preocupação honesta no filme em contar a história de seus personagens de modo a conscientizar a audiência: a denúncia da falta de alimento, o choro do pai que não tem condições de prover tudo aos filhos, a mãe que relata necessidade de doações, a mensagem “Esporte Salva Vidas” ao fim dos créditos. Há também a relação entre os jovens e seus depoimentos, com troféus e medalhas e o orgulho que tem de si próprios.

Alguns desses jovens ocuparam lugares na fileira atrás de mim durante a sessão, e foi possível ouvir os sussurros de animação ao verem os primeiros e belíssimos enquadramentos das ondas a que se referem como “casa”. Para eles, deve de fato ter sido um belo testamento de suas juventudes entre as risadas enquanto se reconheciam na tela.

O curta, apesar desse serviço prestado, carrega em si um problema maior do que a soma de seus acertos. Há um excesso de estilização a tal ponto que a forma do trabalho vai contra as intenções de seu conteúdo. É claramente um filme sobre o surfe, mas o excesso de ondas capturadas durante a extensão do filme beira ao fetichismo. Tempo que melhor poderia ser gasto abordando a violência da área (propriamente reconhecida durante meros instantes no fim do filme), ou em momentos relevantes nas conquistas dos jovens medalhistas.

 A trilha sonora é agradável, mas parece ser aleatória e indiferente com suas letras em inglês, quando comparada a realidade dos indivíduos na tela. No fim do filme, depois exuberantes tons azuis e filmagens submersas, há um segmento em preto e branco, que foca seus enquadramentos em cenários precários, como que para nos lembrar que esse é um filme sério. Será?

Meninos do Francês é dono de um visual belíssimo e as palavras aqui passadas são importantes, mas para que fossem ouvidas, seu diretor precisaria entender melhor o tom de sua própria voz. Ao fim, a sensação é que o filme quase ecoa o problema que busca denunciar, com a sofrida realidade perdida entre as as ondas e o pôr do sol, em um extravagante cartão postal.

3 Comentários em Crítica: Meninos do Francês (dir. Duda Bertho)

  1. correções*
    – A trilha sonora é propriedade da banda canadense Loving.
    – Todo o segmento final do filme é em preto e branco, não apenas um único take de ” um menino descamisado na porta de sua residência, como que para nos lembrar que esse é um filme sério “.

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