Crítica: O Peixe (dir. Jonathas de Andrade)

Texto: Felipe Duarte. Revisão: Chico Torres.

A intimidade pela câmera

Homens seminus abraçando peixes. Esta única frase caracteriza todo o enredo de O Peixe, filme de Jonathas de Andrade. Ao longo de seus 23 minutos de duração, são mostradas imagens de pescadores em seus trajes de banho, guiando suas canoas por entre os mangues em busca de peixes. Ao invés de matar os animais no momento da captura, os homens parecem confortá-los, acariciando-os e em certos momentos quase os beijando, enquanto estes morrem lentamente em seus braços.

Em película, a prática é executada por pescadores de uma vila no litoral sul de Alagoas, próxima a foz do São Francisco, e o realizador nos expõe a ela sem nenhuma interferência. Não há textos na tela, entrevistas ou diálogos por quem quer que seja. Há simplesmente a procura, a pesca e o abraço mortal de uma dezena de homens. Cabe à câmera de Andrade, com seus tons terrosos e seu olhar paciente, guiar a audiência enquanto o processo se repete.

O enquadramento é o toque final que eleva o filme. Fica claro o interesse nas figuras dos pescadores enquanto espécie dominante. Os takes na altura dos quadris dos personagens, a valorização do toque nos momentos do abraço, o foco nos agentes pescadores, excluindo da tela a ação do pescar. Todos esses enquadramentos são executados com maestria e fazem valorizar a relação altamente física, simbólica e, por vezes, quase erótica que o homem pode (e deixou de) ter com a natureza.

No entanto, com todos esses trunfos, O Peixe tem êxito por conta de um aspecto que o próprio realizador pode não ter concebido: é um filme absurdamente pessoal. A obra retrata as ações dos pescadores, mas acima de tudo, registra a visão íntima de Jonathas de Andrade e suas particulares percepções quando se propõe refletir um hábito estranho e de força notória.

A falta de comunicação textual ou verbal nos traz somente as imagens como vetor de discurso, de modo que a audiência sempre será confrontada pelo homem que as capturou, da forma mais direta e próxima. Todo cinema é um ato pessoal, mas a simplicidade aqui nos permite o contato direto e profundo com a visão poética do autor. Há os que enxerguem O Peixe como um exemplo de conexão harmônica com a natureza, outros que o verão como uma demonstração de violência, mas além de qualquer julgamento, será sempre diálogo: exposto, impactante e arrebatador.

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