Crítica: Trem Baiano (dir. Claudemir Silva e Robson Cavalcante)

Texto: Lucas Litrento. Revisão: Chico Torres.

Quando eu fui pra casa de trem baiano

Do sertão de Alagoas, o documentário é uma aula de criatividade e humor (e realismo)

Não sabia da existência de um filme alagoano sobre o submarino de Jequitinhonha. Vi o título, Trem Baiano, e imaginei um filme sobre um trem mesmo, algo assim. Mas quando vi os relatos tão críveis dos moradores do povoado de Carcará lembrei do documentário que vi no History Channel, onde o ufólogo grego Giorgio Tsoulakos viajou até o Vale do Jequitinhonha, pertinho da Bahia, pra investigar os relatos de que um submarino rondava a região. Ao ver os depoimentos fantásticos de Inhame e outros moradores ilustres, logo percebi que se tratava da mesma anomalia. Ou melhor: benção. Presenciar a nave é uma realização sem igual (falo com propriedade).

Ver Trem Baiano é abrir um sorriso enorme durante toda a exibição, como se o Coringa tivesse vazado gás do riso nas entranhas do Arte Pajuçara. E esse estado de bocas esticadas não se dá apenas pelo bom humor do filme e suas sacadas geniais, é um sorriso de orgulho. Dos cafundós de Teotônio Vilela sai um filme tão engenhoso e cheio de vida, que prova que cinema é coisa séria mesmo quando repleto de piadas. Tão sério que está encharcado em todos os lugares, seja em apartamentos, casas abandonadas, paredes grafitadas e um trem/balão/ovo/nave. Alagoas, frames alagados.

Exibido no segundo dia da VIII Mostra Sururu de Cinema Alagoano, o curta metragem dirigido por Robson Cavalcante e Claudemir Silva é um documentário baseado em fatos verídicos. O aviso no final do curta, que diz que o filme é uma obra de ficção, foi inserido (sem sombra de dúvidas) pelas autoridades máximas (Exército, CIA, MIB, etc.). O maior mérito dos diretores é colher relatos tão garciamarqueanos sem perder o realismo da coisa.

Falo com propriedade porque peguei o trem baiano. Logo após a sessão, corri pelas ruas escuras da Pajuçara e vi aquele jogo de luzes concêntricas — José Agomar estava certo. A porta estava aberta, não pensei duas vezes. Cheguei em casa em dois tempos, um freshe. Fiquei matutando sobre o filme.

O Trem é uma obra com poucos recursos financeiros, mas muita vontade e criatividade. O filme se sustenta por conta do povo. As vozes sertanejas são tão reais, carregadas de regionalismos e humor; é o povo que fala do jeito que fala, é simples. Isso é tão forte que se o filme fosse sobre a passagem de um comandante nazista pelo sertão, ou a análise de discurso das campanhas políticas dos presidenciáveis de 1990 no Uzbequistão, seria tão bom quanto já é. Eles podem falar sobre qualquer coisa, desde que falem.

E essa sensibilidade dos diretores, de perceber que a oralidade do alagoano sertanejo é rica e capaz de sustentar um relato tão estranho, é louvável. Não há o pomposo, muito menos o ridículo, a caricatura. Repito, há realismo, naturalidade na fala. O nosso povo é contador de histórias desde que o mundo é mundo.

De tantos filmes que retratam os vários recortes do nosso estado, Trem Baiano consegue ser engraçado e novo, no tom necessário para a proposta dos diretores. Os zooms intermináveis que destacam bigodes fininhos e toucas improvisadas funcionam como o magnetismo do trem, nos puxam, caminho sem volta.

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