Crítica: Trem Baiano (dir. Claudemir Silva e Robson Cavalcante)

Texto: Bruno Malta. Revisão: Chico Torres. Imagem: Divulgação.

Um tapa, um soco e um trem

Logo atrás de mim, em uma das filas de cadeiras do cinema do Cine Arte Pajuçara, havia duas mulheres e um homem assistindo a exibição do curta metragem Trem Baiano, de Robson Cavalcante e Claudemir Silva. Enquanto o curta mostrava pouco a pouco seu eixo temático, o comportamento dessas três pessoas mostrou-se através de mimetização do sotaque dos personagens entrevistados e indagações irônicas sobre o que estava sendo dito: “e é, é?”; “o frasch, né”; “hen heim…”. É sintomático que isso ocorra na própria terra de onde partiu – pra a realização do filme – tanto a criatividade quanto suas pessoas, paisagens e as texturas.

Ao longo do filme realizamos com nós mesmos o pacto de crença que o estilo documental impõe. Realmente cremos que aquelas pessoas foram ludibriadas e ainda o são pela imagem de uma espécie de veículo colorido que corta o espaço em átimos de segundos. Realmente cremos que, mesmo hoje, com algum tipo de arquivo com a imagem de trem já ter chegado naquelas terras, as pessoas continuam nutrindo a esperança de encontrar o bom viajor das alturas mais uma vez. Abraçamos isso como verdade, sentimos piedade pelos que ainda esperam; envolve-nos a emoção de querermos lhes salvar com informações, com a lucidez da cidade grande.

Mas essa nossa pretensão morre nas areias do sertão. E o filme, focando o que é dito nas supostas entrevistas, vai da confluência até a contradição; é nesse nível que o espectador se atordoa e cai nas malhas narrativas tecidas com brilhantismo no entrelaçamento dos relatos. Não sendo atores profissionais, os entrevistados desfilam naturais, pactuando secretamente com a verdade daquela ficção, a qual se vai descortinando. Somos mergulhados em um vai e vem de sensações em relação ao fator chave do curta. De um lado, a noção cirúrgica da edição instiga nosso senso de absurdo e curiosidade diante daqueles relatos tão insólitos; do outro, o estilo documental de Robson Cavalcante e Claudemir Silva nos puxa de volta para a zona de conforto onde imaginamos estar, extraindo o senso cômico da maneira a que nos acostumamos em produções regionais nesse formato.

Terminada a sessão, nós – pajés do concreto urbano e filhos do engenho universitário – somos colocados em um confronto contra nosso próprio intento em acreditar tendo por base a subestimação do que aparenta ser conhecido e sentimos fisgadas na padronização histórica do nosso julgamento. E aquela mesma moça que manifestou na escuridão o seu “e é, é?”, falou pra o amigo, ao seu lado: “Eita, oiá, era tudo mentira”. Ao final, fomos nós os enganados. E muito bem.

2 Comentários em Crítica: Trem Baiano (dir. Claudemir Silva e Robson Cavalcante)

  1. Simplesmente fantastico, ja vi e revi. Indico sempre que encontro alguém capaz de entender a grandiosidade da mente e do tempo.

    Parabéns !!

    Girlon

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