“Joaquim”, o retrato humano de Tiradentes, tem última sessão esta terça (16) no Arte Pajuçara

Texto: Leonardo Amaral para o Alagoar. Imagem: Divulgação.

Embaixo do céu cinza e das gotas de um dia qualquer, em algum lugar das Minas Gerais que é povoado por igrejas, mas não pessoas, uma cabeça é oferecida. Uma cabeça degolada, solitária, é exibida em um tronco. Sem cerimônia ou dignidade, o herói que nos foi entregue e cultivado no imaginário social – a figura mítica construída desde a infância – está como qualquer outro homem estará em algum momento: morto. Sabendo disso, enxergando a mortalidade daquele que toma a posição de narrador de suas memórias póstumas enquanto a água escorre na lente, distorce a imagem, o público foi preparado para conhecer o homem por trás de Tiradentes.

“Joaquim” é um filme escrito e dirigido por Marcelo Gomes (“Cinema, Aspirinas e Urubus”; “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo”) que acompanha os dias de Joaquim José da Silva Xavier pouco antes da inconfidência mineira, retratando os motivos e acontecimentos conscientizadores que gradualmente o fizeram ter interesse para participar de questões político-sociais. Encerrando sua temporada em cartaz no Centro Cultural Arte Pajuçara nesta terça (16/05) às 20h30.

Joaquim (Júlio Machado) trabalha como tenente em uma fazenda do interior de Minas Gerais, e sua função é impedir que contrabandistas de ouro escapem, junto com seus companheiros Januário (Rômulo Braga), Matias (Nuno Lopes) e outros. Seus interesses a primeiro momento se baseiam em subir de posto na hierarquia, mas logo há o surgimento de um verdadeiro intuito.

Passando-se no Brasil do século XVIII, o local conta com escravos, entre eles dois que Joaquim parece nutrir algum tipo de afeto. João (Welket Bungué) e Preta (Isabél Zuaa); com o primeiro há algo de companheirismo, e com a segunda o que pode ser percebido como amoroso (é necessário estar ciente da conjectura étnica em que essas relações se desenvolvem, Joaquim branco e os outros dois negros). Preta demanda que Joaquim a compre de seu dono, que é abusador e superior do futuro Tiradentes, mas ao perceber que ele não vai conseguir tão cedo, ela decide fugir. Isso e os interesses da coroa portuguesa por regiões desconhecidas faz Joaquim e seu grupo, juntos do indígena Inhambupé (Karay Rya Pua), desbravar territórios inexplorados.

Júlio Machado não atua como um arquétipo comum de personagem. Age de forma truculenta e pragmática, exatamente como se espera que alguém com suas vivências faria naquela época. Apresenta ambição, que é fator principal para suas alterações de humor e personalidade. Já Isabél Zuaa atinge profundamente tanto Joaquim como o público mesmo com uma breve participação como uma personagem intensa e consciente política. É tanto que pode ser percebida como principal inspiração; os Quilombos foram, afinal, as principais e pioneiras manifestações contra o Império. E é nisso que o filme de Marcelo Gomes mais brilha. Ao compor a realidade e personalidades que cercam Joaquim de forma que as valorize. Desde a organização dos Quilombos até a comunicação entre João e Inhambupé em uma poderosa cena musical há a criação em tela de um Brasil multicultural, plural em sua realidade de relações de poder.

Todos os aspectos cinematográficos trabalham em prol do naturalismo, o que é acertado para um filme do tipo. A escolha acarreta em uma profunda imersão. A câmera na mão pela geografia desnivelada do interior de Minas Gerais, luz natural tanto de dia como de noite, cores desgastadas, roupas e ambientes sujos, conversas breves e cotidianas. Tudo se alinha e imprime um verossímil conceito de século XVII que se mantém por todo o filme e permite ao público realmente mentalizar a ficção em tela com o mesmo valor de veracidade de um documento histórico. O que pode ser percebido como um demérito do filme se faz em seu terço final, pois o ritmo toma uma identidade súbita que não dialoga de forma natural com o resto do filme.

O personagem principal pode até vir a ser Tiradentes, mas antes disso é Joaquim. Antes de ser um mártir, era um homem quebrado e cheio de defeitos, desejos. Marcelo Gomes toma essa figura de herói e a humaniza em prol da universalização. Joaquim é qualquer um no cotidiano pluralista da realidade brasileira. Haverá diferentes classes e etnias, diferentes grupos sociais; diferentes interesses. A conscientização política se faz em um emaranhado de relações de dominação que são demonstradas no decorrer da narrativa e ecoam até hoje.

SERVIÇO:
Filme: JOAQUIM
Horário: 20h30 (Terça – 16/05)
Drama/ Brasil                          14 anos
Sinopse:
A história dos acontecimentos e fatos que levaram Joaquim José da Silva Xavier, um dentista comum de Minas Gerais, a se tornar mais conhecido pela alcunha de Tiradentes conhecido como  herói da “Inconfidência Mineira”.

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