‘Menina’ chama atenção para a invisibilidade de uma classe

Texto: Rafhael Barbosa para o Alagoar.

Quem passou pelo curso de jornalismo da Universidade Federal de Alagoas e teve a oportunidade de pagar as disciplinas ministradas pelo professor e cineasta Almir Guilhermino dificilmente encarou o cinema da mesma maneira depois. No mínimo, suas aulas contribuíram para expandir a percepção e construir um olhar crítico diante da apreciação de uma obra audiovisual.

Para os alunos da oficina “Da Lauda ao Filme”, ofertada por Almir em 2012, o contato foi ainda mais transformador. Nasceu ali uma safra de novos cineastas que, após a estreia estimulada pela experiência acadêmica, seguem produzindo e amadurecendo seus trabalhos.

Ticiane Simões protagonizou o curta. Foto: Itawi Albuquerque.
Ticiane Simões protagonizou o curta. Foto: Itawi Albuquerque.

Os curtas que emergiram do processo, com maior ou menor êxito, revelam buscas autorais e um esforço para acessar a linguagem cinematográfica.

Entre eles, “Menina” é sem dúvida o mais delicado. Não à toa é dirigido por duas mulheres, Amanda Duarte e Maysa Reis, e também possui uma protagonista feminina, interpretada por Ticiane Simões.

O filme nasce de uma inspiração da vida real, a história do psicólogo social Fernando Braga da Costa, que se passou por gari da USP durante oito anos com o objetivo de discutir a invisibilidade desse extrato social. O roteiro, também escrito pela dupla, adiciona novas camadas de significados e transforma a referência na história de uma mulher, na casa dos 30 anos, faxineira de uma Universidade, cujo cotidiano é marcado pelo tratamento apático que ela recebe de todos a seu redor.

Em determinada cena, um professor (interpretado por Guilhermino) a chama por “menina”. Mesmo tendo contato diário com ela, o homem nunca lhe destinou atenção suficiente para sequer conhecer o seu nome, o que denuncia o processo de despersonalização pelo qual passam trabalhadores da classe subalterna.

Mas esse não é o único conflito vivido pela personagem. De sua zona invisível, ela observa as vidas dos alunos, sentindo um prazer “voyeurístico” em assistir a seus movimentos. Quando encontra no lixo bilhetes de paquera trocados por alguns deles, passa a alimentar fantasias a partir das mensagens.

Foto: Itawi Albuquerque.
Foto: Itawi Albuquerque.

Para além da premissa, um dos principais méritos do filme é sua simplicidade. “Menina” nos fala com muito pouco, valoriza os silêncios e a delicadeza do gesto. O registro é beneficiado pela atuação minimalista de Ticiane Simões e pela fotografia de Henrique Oliveira, igualmente econômica e eficiente em traduzir os sentimentos da personagem.

A estratégia, que também passa pelo roteiro e pela direção, joga com as limitações de uma produção colaborativa, realizada em dois dias e com orçamento de R$ 700, sem buscar ir além de suas possibilidades.

O resultado é um filme de pouco mais de nove minutos que cumpre bem sua proposta de chamar atenção para o tratamento que damos ao outro.

“Menina” estreou em 2013 e foi exibido em mostras e festivais em Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. O curta também integrou a programação do ciclo Tate Quieto, em 2014, sendo exibido em algumas cidades do México. Foi premiado com menção honrosa no 4º Festival de Cinema Universitário de Alagoas, pela força da sua personagem, e Melhor Roteiro e Melhor Desenho de Som da IV Mostra Sururu de Cinema Alagoano.

A partir de hoje, o curta metragem está disponível na internet. Assista abaixo:

_

_


Este lançamento é uma parceria do Alagoar com a Panan Filmes. Se você também tem uma produção audiovisual autoral feita em Alagoas para lançar na internet, leia o nosso regulamento e contacte-nos.

2 Comentários em ‘Menina’ chama atenção para a invisibilidade de uma classe

Leave a Reply

Seu e-mail não será divulgado


*