“Nise – O Coração da Loucura” estreia no Arte Pajuçara

Texto: Assessoria Arte Pajuçara/Agência Febre

Um dos filmes brasileiros mais aguardados de 2016 pelo público alagoano, “Nise – O Coração da Loucura” estreia no Arte Pajuçara hoje (21). Produzido pela TvZero, coproduzido pelo canal GNT e distribuído pela Imagem Filmes, o longa  mostra o trabalho da psiquiatra alagoana Nise da Silveira (Maceió, 1905 – Rio de Janeiro, 1999)  com os pacientes do Setor de Terapia Ocupacional do Hospital Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de Dentro. O longa foi filmado durante dois meses no Instituto Nise da Silveira no Engenho de Dentro, local onde ficava o Hospital Psiquiátrico Pedro II e retrata o início do trabalho da doutora com seus “clientes” através da arte e do afeto.

“Nise – O Coração da Loucura” narra uma revolução iniciada em 1944 no subúrbio carioca de Engenho de Dentro que abalou os alicerces do tratamento psiquiátrico no Brasil. Fruto de um radical sentimento antiviolência ao atendimento vigente, esta revolução foi liderada por uma das primeiras mulheres a cursar a Faculdade de Medicina no Brasil. Seu nome: Nise da Parte desta história chega agora às telas dos cinemas. O filme apresenta Gloria Pires em um dos maiores desafios de sua carreira: representar, ao mesmo tempo, a firmeza e a doçura de uma profissional que, segundo a atriz, ‘transformou um depósito de entulho em um ninho acolhedor para que clientes pudessem, através da arte, contar sua própria história’.

Neste espaço conviviam nomes que se tornaram célebres, como Fernando Diniz, Carlos Pertuis, Emygdio de Barros, Adelina Gomes, Raphael Domingues, Octávio Ignácio e Lucio Noemann. Eles circulam ao lado de dezenas de internos anônimos que se beneficiaram do trabalho, não só artístico, mas sobretudo das mudanças decorrentes do novo tratamento Como coterapeutas, a presença de cães e gatos, considerados por Nise da Silveira ‘excelentes catalisadores’ de afeto e ponto de referência no mundo externo, facilitou a retomada de contato dos clientes com a realidade.

“Nise – O Coração da Loucura” reitera o interesse do diretor Roberto Berliner por pessoas com graves dificuldades e que têm os esforços empreendidos por uma maior inserção social, como em “Pindorama – A Verdadeira História dos Sete Anões” (sobre uma trupe circense), “A Pessoa é Para o Que Nasce” (sobre três irmãs cegas) e “Herbert de Perto”, que registra a vida do líder da banda Paralamas do Sucesso após o acidente que o deixou paraplégico em 2001. Também realizador de videoclipes musicais, publicitários e programas de TV, o diretor estreou no gênero ficção com o longa-metragem Julio Sumiu, em 2014.

Roberto Berliner define sua determinação em levar a trajetória de Nise da Silveira para as telas: “Nise da Silveira é uma personagem única na história do Brasil. Uma mulher que desafiou as verdades vigentes e ousou olhar para onde ninguém olhava: os esquizofrênicos, e neles descobrir não só a humanidade mas a possibilidade de estudar e entender a mente humana. O que existe de mais importante no mundo do que entender a mente humana? Nise olhou pra esses pobres e marginais e deu a eles dignidade e a chance de se manifestar. Através da arte produzida por eles, estudou suas histórias. E foi tão fundo que encontrou seu ídolo Carl Jung e através desse contato chegou a mitologia e aos arquétipos”.

CONSTRUÇÃO

A construção de “Nise – O Coração da Loucura” incorporou aspectos essenciais para a recriação ‘mais fiel possível’ dos fatos e experiências vividas. À ampla pesquisa bibliográfica sobre a médica e seu trabalho somou-se a imersão no Museu de Imagens do Inconsciente onde a equipe estudou, detalhadamente, os métodos de Nise e a evolução de cada cliente sob orientação do diretor do hospital Luiz Carlos Mello.

O contato com vários colaboradores da psiquiatra ao longo da realização do filme, como Bernardo Horta, Gladys Schincariol, Lula Vanderlei e Marta Pires Ferreira também foi essencial nesta construção. A preparação do elenco foi longa e detalhada. Durante dois meses, a equipe ‘mudou-se’ para o antigo Centro Psiquiátrico Pedro II (hoje, Instituto Municipal Nise da Silveira), onde os ensaios ocorreram entre os internos e junto a colaboradores da Dra. Nise. A preparação do elenco incluiu palestras com psiquiatras sobre os métodos da época e contato com artistas plásticos que ajudaram os atores a desenvolverem suas próprias habilidades.

A soma de todos esses elementos e, sobretudo, a convivência diária com os internos promoveu uma aproximação muito especial com os esquizofrênicos do local. O filme aborda também o início do envolvimento de Nise da Silveira com o psiquiatra e psicoterapeuta Carl Jung, o reconhecimento de Mario Pedrosa, o crítico de arte mais importante da época, do valor das obras realizadas por museus internacionais. Um legado artístico e, sobretudo, humano que preserva e difunde a missão de uma médica em humanizar o tratamento de ‘loucos’ dando-lhes voz e vez de manifestar sua história.

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Gloria Pires no Museu da Imagem do Inconsciente (foto: Manuela Scarpa/Brazil News)

LEIA A SEGUIR ENTREVISTAS COM A ATRIZ GLORIA PIRES E COM O DIRETOR ROBETO BELINER

PERGUNTA – O que mudou na sua vida depois de conhecer a história de Nise? Você incorporou alguma atitude ou pensamento dela no seu dia a dia?

GLORIA PIRES – A história de sua vida se tornou um alento. Sua resiliência diante das dificuldades que enfrentou, tanto em sua vida pessoal, quanto profissional, me serve como referência, a cada pedra que surge em meu caminho. Para você, o que foi determinante para aceitar o papel? Atrai-me muito poder trazer ao público uma história inspiradora. Procuro não desperdiçar essas oportunidades.

Como esse papel é diferente dos outros que você já fez no cinema?

Cada projeto é único, com seu próprio método. Sendo o primeiro trabalho de ficção do Roberto, possibilitou muita integração entre nós dois. Isso foi muito diferente de outros trabalhos que já fiz: em vez de eu “me meter” no roteiro, ele me questionava, o tempo todo, o que tornava o pós- filmagem diário em leitura e pesquisa, para o próximo dia. Intenso e muito vivo!

Poderia falar um pouco sobre o seu processo criativo para viver Nise no cinema?

Buscava reproduzir, de alguma maneira, o que imaginava ter sido sua rotina, e os caminhos que percorreu, física e intelectualmente, diariamente por 30 anos (tempo que trabalhou no hospital psiquiátrico Pedro II). Fiz, também, uma rigorosa dieta, e tive o apoio da Fono Maria Silvia Siqueira Campos, com exercícios que “protegiam” minhas cordas vocais das condições insalubres do set e do preparador de elenco Tomas Rezende, com exercícios sensoriais.

Teve alguma curiosidade ou fato da vida de Nise que te chamou mais atenção ou que te tocou de alguma forma? O que foi e por que?

Sim, algo que me tocou profundamente e sempre me faz pensar como a vida pode ser tão curiosa: quando Roberto me convidou para fazer Nise, já estava há 17 anos aguardando a produção de Flores Raras, onde interpretei Lota de Macedo Soares. Pois não é que foi o tio-avô de Lota, José Carlos de Macedo Soares – Ministro da Justiça na época, que ordenou a libertação de quase 300 pessoas detidas sem processo, entre as quais estava Nise da Silveira? E ainda: filmei Nise e, logo a seguir, Flores Raras. Mas só fui ligar o nome à pessoa, ao visitar uma exposição de dois clientes da Dra, alguns anos depois, aonde o episódio “a macedada” foi comentado.

Qual é a importância da arte no trabalho da Nise?

Embora fosse amante das artes plásticas, e reconhecesse a qualidade artística de alguns dos seus clientes, ela não via essas obras como expressão artística, mas como meio de comunicação de seus conflitos, dores, medos e a evolução de seus estados mentais. Se para as pessoas com capacidade mental “normal” era difícil expressar verbalmente suas aflições, para aqueles que haviam sido expostos a todo tipo de sofrimento, era impossível. Aí entra a expressão pelas artes. Para a “leitura” dessas obras, ela era pesquisadora incansável e usava todo o seu background intelectual.

O que você acha da recepção que o filme está tendo até agora nos festivais no Brasil e no Exterior?

Acho que a boa recepção se deve ao belo filme que Roberto concebeu. Além do quê, o filme traz mensagens importantes para os dias que vivemos, especialmente: olhar nos olhos do outro; saber que “o livro sem o coração não serve de nada”; que o afeto é o que diferencia uma existência útil de uma existência vazia.

Por que você acha que as pessoas devem ver esse filme?

É um belo filme, sem pieguices nem ostentação. É belo, porque o é.

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Berliner recebe o prêmio de melhor filme no Festival de Tokio pelo longa-metragem (foto: Divulgação)

PERGUNTA – Como surgiu a ideia de fazer um filme sobre a Nise? O que mais te encantou sobre a Nise?

ROBERTO BERLINER – A primeira vez que eu vi a Nise foi no Circo Voador, nos anos 80. Ela aparecia lá uma vez por mês, era “O chá da doutora”. O projeto do filme começou muito depois com os escritos do jornalista Bernardo Horta, colaborador da Nise e irmão do André Horta, que é o fotógrafo do filme e grande parceiro meu e da TvZero. Bernardo acompanhou a Dra. Nise de perto por anos. Ele fez parte do grupo de estudos C. G. Jung que acontecia na casa da Nise. Ele gostava de observá-la e anotava não só o que ela dizia sobre diversos assuntos, mas a maneira como se comportava, seus trejeitos, sua relação com as pessoas e com o animais. Foi através dessas anotações que eu conheci melhor a intimidade da Dra. Nise. Ela é dessas pessoas que faz o mundo dar um pulo pra frente, é uma pessoa especial, uma rebelde, e quanto mais eu pesquisava sobre sua vida e conversava com seus colaboradores, mais eu sabia que esse filme tinha que ser feito.

O filme não é exatamente uma biografia, já que se concentra em um momento da vida de Nise. Por que escolheram contar esta parte da história?

A Nise não gostava de biografias, isso foi importante para decidirmos fazer um recorte. O filme fala do momento em que Nise volta ao hospital do Engenho de Dentro, oito anos depois de sair da prisão, e volta a exercer sua função de psiquiatra. Chegando lá, se depara com os novos tratamentos, como o eletrochoque e a lobotomia e se recusa a participar disso. Nosso filme mostra a ruptura de Nise com a psiquiatria convencional e o começo de um novo trabalho que impactou o estudo da mente no mundo inteiro.

Como foi feita a escolha do elenco?

Fomos atrás de atores que compusessem uma equipe, que tivessem uma capacidade de se adaptar aos outros, fizessem parte de um grupo, soubessem construir o todo. Que pudessem se divertir, se interessar e viver o processo. O filme se transforma na mão da equipe, então eu gosto de trabalhar com gente que entenda seu papel dentro do grupo. Foi um processo muito rico e com desafios diários, para não errar no tom e nem desviar do nosso rumo. Apesar de ser uma ficção o filme conta histórias reais, da Nise da Silveira e de alguns de seus clientes mais famosos. Explique esse processo partindo da pesquisa até a filmagem. Construímos uma rede com vários colaboradores de Nise. Conversamos com muitas pessoas que trabalharam com ela no Engenho de Dentro, desde Martha Pires Ferreira e Almir Malvignier, que trabalharam diretamente com artistas como Fernando, Emygdio e Raphael, e aparecem no filme, como também com a equipe do Museu de Imagens do Inconsciente, Luiz Carlos Mello, Gladys Schincariol, além do Lula Vanderlei e da Gina Ferreira, entre outros. Lemos também os prontuários dos pacientes e todas as anotações que conseguimos encontrar. O roteiro passou por vários tratamentos, com diversas abordagens, e a versão final foi feita a partir de recortes tirados de todos os outros. Os atores leram toda essa pesquisa, e foram conhecendo mais através de pesquisas no Museu de Imagens do Inconsciente. Luiz Carlos Mello deu aulas para os atores que interpretaram os clientes sobre cada um dos personagens reais. Além disso, eles tiveram contato com todas as obras originais. Então, sabendo intimamente a biografia dos personagens, os atores foram preparados no Engenho de Dentro, entrando naquela rotina e sentindo a energia daquele lugar, tanto dentro de uma sala com o preparador de elenco Tomás Rezende, quanto andando pelo espaço do centro psiquiátrico, pelas enfermarias. Cada um deles foi preparado fisicamente de uma forma específica. Era como se os autores daquelas obras voltassem para revisitar suas próprias obras.

Qual foi a importância de se filmar no próprio Hospital do Engenho de Dentro, o Centro Psiquiátrico Pedro II?

Estar lá foi fundamental, porque mergulhamos na atmosfera do filme. Alguns colaboradores de Nise que estão lá até hoje volta e meia passavam pelas filmagens, iam lá no meu ouvido me lembrar de alguma coisa ou contar alguma história. Também tivemos a participação de vários esquizofrênicos que entraram de maneira muito intensa no filme.

Nós passamos a conviver todos os dias com funcionários, médicos e esquizofrênicos; os ensaios e toda a pré-produção foram lá. Essa vivência foi fundamental.

O filme tem imagens que parecem mais um documentário do que aconteceu ali. Por que escolheu fazer assim?

Diante da importância de Nise e de sua história, era fundamental que o filme fosse real e verdadeiro. Não sobrava tempo para inventarmos coisas que não fossem essenciais. Nise pede por isso. A ideia era recriar as cenas e que elas fossem filmadas com a câmera na mão, como se fosse um documentário. As ações levam a câmera, não são as pessoas que estão armadas em função de um plano. A cena em si tinha que ser real o suficiente. Por isso a importância de termos filmado dentro do hospital, onde tudo aconteceu. O cenário é um personagem muito forte do filme. O fator emocional foi muito intenso, o fez com que nosso filme tivesse uma verdade muito grande, em cada gesto e cada atuação. Ele nos levou de volta àquele tempo. Eu quis fazer com que os atores entrassem nessa realidade para recriá-las. Eles puderam ter seu tempo para entrar naquela história, o que é raro no cinema. E tentamos filmar em ordem cronológica, para que isso contribuísse no desenvolvimento dos personagens. Isso foi muito legal, porque os atores puderam viver cada curva de seus personagens e nós fomos vivenciando a história. Ficamos muito mais dentro da história. Estávamos ali liderados pela Nise e a Gloria fez esse papel muito bem.

Qual é a importância desse filme na sua vida?

Quando eu estava fazendo A pessoa é para o que nasce, eu tive a sensação de que estava fazendo um trabalho muito importante, que eu estava tentando dar um passo adiante e questionando várias coisas que eu já tinha feito na minha vida. Lá, eu estava descobrindo o cinema, a linguagem, acabei virando personagem de mim mesmo. Durante as filmagens do Nise, eu tinha certeza que estava diante de um assunto muito importante e que eu tinha a responsabilidade de contar isso de maneira honesta, simples e direta. Como diz a Gloria, sem ostentação. Acho que conseguimos isso.

PROGRAMAÇÃO COMPLETA DE 21 A 26 DE ABRIL – ARTE PAJUÇARA

ESTREIA: NISE – O CORAÇÃO DA LOUCURA
Horários: 13h50 (somente de quinta a domingo, 21 a 24/04), 15h55 e 20h15 (exceto segunda)
Classificação: 12 anos

ESTREIA: A JUVENTUDE
Horário: 18h05 (exceto segunda)
Classificação: 14 anos

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