Ousado e contundente, “Animal Político” foge das reflexões rasas

Texto: Leonardo Amaral para o Alagoar. Imagem: Divulgação.

Isso ocorre, geralmente, quando a obra se satisfaz com sua presumida importância política e acaba por se tornar um filme medíocre com boas intenções. Então é bastante feliz que “Animal Político”, que abre o projeto Sessão Encontro nesta quarta-feira (28), às 20h30, no Arte Pajuçara esteja além dessa famigerada “zona de conforto”.

“Animal Político” é um longa-metragem escrito e dirigido por Tião, diretor pernambucano conhecido pelos curtas-metragens “Muro” (2008) e “Sem Coração” (2012). O projeto, que durou seis anos de produção, trata da história de uma vaca. O animal realiza ações comuns a um membro da classe média e pensa (voz de Rodrigo Bolzan).

Obviamente o procedimento causa estranhamento no público, ao mesmo tempo que desperta nele um sentimento raro. Isso porque acompanhamos diversos momentos e eventos maravilhosamente absurdos — seja o animal efetuando compras, fumando no banheiro, pegando metrô, fazendo musculação etc. Mas não só a emulação do que um ser humano realiza em sociedade é utilizado para fazer o público sentir empatia e se identificar com o bovino.  Há também suas crises existenciais e as buscas por dar um maior significado à sua vida — e é justamente isso o que move a narrativa.

A estrutura do filme se divide entre momentos de realismo e outros que se vão mostrando cada vez mais subjetivos, como a presença dos “homens terno”, figuras que se fazem presentes em diversas pinturas do Surrealismo — “O Filho do Homem”, de René Magritte, é uma dessas obras. Apesar da aparente aleatoriedade de suas imagens, o filme demonstra estar logicamente organizado e fluido, o que deve ser creditado à segurança na direção de Tião.

Sua habilidade se torna ainda mais evidente na condução da fotografia e da direção de arte, que trabalham em conjunto para causar um estranhamento de grandes proporções por conta das locações inesperadas, construindo contemplações no meio urbano e na natureza. A imagem se organiza de forma a ser geradora de pensamentos e conceitos por si só, através de cenas ricas em símbolos e impulsionadoras dos possíveis debates que se pretendam gerar.

“Animal Político” se engrandece por não se render aos clichês dos debates contemporâneos, onde sobram visões rasas para temas como o consumismo e sociedade globalizada. Isso se dá especialmente pelo tom irônico que permanece por todo o filme, graças à perceptível autoconsciência da situação que se coloca.  Ainda que um segmento independente (intitulado “Pequena Caucasiana”) seja introduzido no meio na narrativa, soando gratuito e problemático, há compensação formal e ressoamento temático no restante do filme.