51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro: Para não silenciar

Texto e foto: Larissa Lisboa

Comecei a acompanhar o 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro na sessão do filme Elegia de um Crime (dir. Cristiano Burlan) pela mostra paralela Onde estamos e para onde vamos? no dia 15 de setembro de 2018 (segundo dia do Festival) no Cine Brasília.

Já na cena de abertura de Elegia somos apresentados ao diretor e o seu convite para embarcamos na jornada em busca de resgatar memórias de sua mãe (Isabel) que há sete anos foi vítima de feminicídio.

No desenvolvimento do filme somos apresentados às memórias dos cinco filhos de Isabel sobre sua relação com a mãe, alguns outros parentes também falam sobre ela, e somos testemunhas da determinação de Cristiano em localizar o assassino de sua mãe. Assistir a Elegia e conseguir se desprender da emoção dos reencontros entre o diretor e seus familiares, e do sofrimento pelo assassinato de Isabel não é uma tarefa fácil.

Após assistir ao filme é bem difícil não refletir sobre a necessidade da existência desse filme. A entrega do diretor é inegável, inúmeros são os momentos que ele se permitiu estar vulnerável diante das câmeras.

Na programação paralela acompanhei parte da Conversa Livre: Protagonismo das mulheres no audiovisual no Espaço Cultural Renato Russo. Mesas, rodas, momentos de diálogos com essa temática são essenciais, poder reconhecer profissionais que desenvolvem trabalhos relevantes pra o audiovisual brasiliense e brasileiro implicam no compartilhamento de trajetórias e reverberação de referências dessas e a partir dessas mulheres.

Na sequência acompanhei a abertura da Mostra Competitiva no Cine Brasília, sessão em que foram exibidos Boca de Loba (dir. Bárbara Cabeça) e Torre das Donzelas (dir. Susanna Lira). Boca de Loba é um curta cearense realizado e protagonizado por mulheres, que apresenta performaticamente a construção de um universo alternativo em que as mulheres refletem sobre a sua existência e a forma como transitam pelos espaços.

Na apresentação dessa sessão e após a exibição o longa Torre das Donzelas foi aplaudido de pé, forma em que o público expressou a emoção em conhecer e reconhecer as ex-presas políticas da ditadura civil-militar do Brasil na tela e ali também presentes.

Torre é um filme que simboliza o rompimento do silêncio a respeito da trajetória e convivência das mulheres que foram confinadas no Presídio Tiradentes (SP) no período da ditadura. Em torno de 30 mulheres são apresentadas na narrativa construída por Susanna Lira, em entrevistas e reencontros dos grupos no cenário que reconstitui a torre das donzelas (como ficou conhecido o espaço em que as presas políticas ocupavam no presídio).

A narrativa apresenta algumas quebras de ritmo, de transição entre cenas de entrevistas individuais, coletivas, encenações de prisioneiras (representação da juventude delas) e visitas individuais ao cenário reconstituído a partir das memórias delas.

O fio condutor da trajetória dessas mulheres que foram aprisionadas pela ditadura militar-civil, torturadas e confinadas na torre tem uma estrutura pulsante que fica ainda mais forte ao final do filme. O trabalho da trilha sonora foi cuidadoso, no entanto, o uso de música instrumental durante as entrevistas causou alguns distanciamentos entre a energia dos testemunhos e o desenho de som do filme.

A sessão que encerrou a noite, também da Mostra Competitiva, apresentou os filmes Kairo (dir. Fabio Rodrigo) e Los Silencios (Beatriz Seigner). O curta Kairo conta a história de um menino com nome homônino ao filme, no dia em que ele é retirado da aula em sua escola pela assistente Sônia que o leva para dar um passeio enquanto arruma coragem para repassar a ele o que foi incumbida de comunicá-lo.

Los Silencios é um filme ímpar que apresenta com sutileza a relação com a morte e os mortos. Amparo é a personagem principal do filme, na cena inicial vemos ela e seus filhos (Nuria e Fabio) chegando para refugiar-se junto a uma tia, após o desaparecimento do pai das crianças.

Acompanhamos a busca de Amparo para educar, sustentar seus filhos e lidar com as perdas que sofreu na cidade em que habitava na Colômbia,

O filme apresenta sua força pelo equilíbrio em seu desenvolvimento, com personagens que demonstram profundas nuances somado a qualidade da performance do elenco.

Sobre Larissa Lisboa
É coidealizadora e gestora do Alagoar, compõe a equipe do Fuxico de Cinema e do Festival Alagoanes. Contemplada no Prêmio Vera Arruda com o Webinário: Cultura e Cinema. Pesquisadora, artista visual, diretora e montadora de filmes, entre eles: Cia do Chapéu, Outro Mar e Meu Lugar. Tem experiência em produção de ações formativas, curadoria, mediação de exibições de filmes e em ministrar oficinas em audiovisual e curadoria. Atuou como analista em audiovisual do Sesc Alagoas (2012 à 2020). Atua como parecerista de editais de incentivo à cultura. Possui graduação em Jornalismo (UFAL) e especialização em Tecnologias Web para negócios (CESMAC).

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