Texto: Larissa Lisboa. Revisão: Felipe Benício. Imagem: print do filme Tempo de Cinema
Eu já estive no Cine São Francisco. Fui transportada até lá ao contemplar quase uma centena de vezes, em Tempo de Cinema (2014, dir. Rafhael Barbosa), o reencontro vivido por Maria Celina, Cece, que trabalhou naquele cinema como bilheteira por 30 anos.
Ainda não fui espectadora nem visitante do Cine São Francisco que será reinaugurado no dia 23 de novembro de 2020, como Centro de Convenções de Penedo, dentro da programação do Circuito Penedo de Cinema.
Passei na porta do Cinema que fica no térreo do Hotel São Francisco provavelmente todas as vezes em que estive em Penedo-AL, mas só comecei a compreender a perda que era vê-lo abandonado em 2011, quando acompanhei a primeira edição do Festival de Cinema Universitário de Alagoas.
As sessões do Festival foram realizadas no Teatro Sete de Setembro, entre a primeira e a quinta edição, até 2016, quando o evento passou a abrigar a retomada do Festival de Cinema Brasileiro de Penedo (em sua 9ª edição), além do Festival de Cinema Universitário de Alagoas (6ª edição) e a Mostra Velho Chico de Cinema Ambiental (3ª edição), passando a se chamar Circuito Penedo de Cinema.
Como uma ponte com o início da história do cinema que ocupou no começo do século XX teatros por todo mundo, habitar o Sete de Setembro era uma vivência semelhante, no ponto de vista histórico, no entanto, com mais adaptações tecnológicas.
O primeiro entrevistado que encontramos em Tempo de Cinema, Ninho Moraes, está no Teatro falando sobre o que recordava da vivência de ter sido espectador do Festival de Cinema Brasileiro de Penedo, das edições que foram realizadas entre 1975 e 1982, que contavam com a exibição de filmes alagoanos realizados em Super 8.
Esta locação, como as demais em que estão os outros três entrevistados, dá conta de contextualizar a vivência da construção deste filme, assim como desenha uma trajetória não linear entre aquele momento da filmagem em que o foco principal era o Teatro Sete de Setembro, tendo o Hotel e o Cine São Francisco como espaço de permanência e memória, e a paisagem da cidade de Penedo, à beira do rio São Francisco, como horizonte e entremeio.
Mesmo sem conhecer a cidade de Penedo, é possível imaginar como foi aterrorizante caminhar para casa numa rua deserta após assistir a um filme de terror no cinema, tarde da noite, pela forma como João Bolinha conta.
Lembro-me da primeira vez que vi Tempo de Cinema e da realização que foi ver Celso Brandão falando sobre a sua vivência como realizador premiado no Festival de Cinema Brasileiro de Penedo. Em meio a cidade, em pé, Celso compartilha conosco os hábitos que semeou em sua relação com Penedo.
Há outro realizador participante do Festival das edições nas décadas de 1970 que não vemos, Joaquim Silva Santos, mas que se faz presente pelas cenas dos seus filmes em Super 8: Profissão Matador (1975), Somos Culpados (1977) e O Grande Assalto (1975).
Celebro ainda mais pode ver e rever as cenas desses filmes, pois sei que não estariam disponíveis e acessíveis se não fosse a sua inserção em Tempo de Cinema. Pois não há em Alagoas, em 99 anos de produção audiovisual, um espaço ou iniciativa dedicada à salvaguarda e preservação das obras realizadas em película.
Não foi fácil ver a sequência final deste filme, em que Cece está nas ruínas do Cine São Francisco. Em todas as vezes que revi, fiquei entre a dor de reencontrar o abandono e o sonho de uma recuperação daquele espaço. Acredito que é uma sequência de valor indefinível como narrativa e para a historiografia do cinema alagoano.
Sei que o Cine São Francisco foi finalmente recuperado, e estará acessível após 27 anos de descaso, mas as fotos de divulgação ainda mostram a ausência de cadeiras, o que me faz reencontrar a angústia provocada pela retirada das originais, junto à expectativa de ver e viver memórias cinematográficas por lá.
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