Crítica: Teu Olhar Não me Traduz (dir. Mozart Albuquerque)

Texto: Jaiane Karoline. Revisão: Larissa Lisboa

Enquanto os créditos desse documentário sobem, pode-se pensar: “é esse filme que não me traduz”, pois deveria se comunicar claramente, mas não o faz com tanta eficácia. O documentário inicia promissor, porém não vai muito além disso. Ainda nas primeiras cenas o desconforto e não identificação já iniciam. Indo adiante na experiência de assisti-lo, percebe-se mais minunciosamente os pontos fracos da película, ou melhor, aqueles que trazem uma ideia mais solta quanto ao propósito de estarem ali.

O primeiro desses momentos surge quando percebemos que todos os personagens trazidos para contar suas experiências pessoais pertencem à uma classe socioeconômica similar e estão em meio à periferia, exceto uma senhora de classe média e branca que fala de um lugar confortável. Faz refletir: qual é o papel dessa pessoa no filme? Ela possui lugar de fala no contexto apresentado? Em quê essa personagem agregou para o desenrolar dos elementos da narrativa, já que a perspectiva dela soa um tanto contrastante com as demais?

Para além disso, o documentário, apesar de levantar questões sociais importantíssimas, deixa dúvidas: se aprofunda o suficiente nelas? Será que o roteiro guia o público para um lugar em especial ou encerra trazendo uma sensação de incompletude? Os relatos reais têm suma relevância dentro de obras de não-ficção, no entanto, merecem ser esmiuçadas, afim de conectá-las com quem as ouve, levar o público a pensar e sentir como é viver naquelas condições no Brasil de hoje, por exemplo. E o filme até começa bem nesse caminho, todavia se perde um pouco nos discursos que não articulam grande imersão.

Há ainda, a quebra no ritmo da narrativa em momentos específicos. Quando o espectador está quase comovido pelos relatos, vem o discurso genérico da senhora branca, ou a transição abrupta das performances de uma das personagens que quebra pedras. A interpretação dela é muito bela, mas nos instantes finais em que foi posta se assemelha a um filme à parte, deslocado.  Por fim, as perguntas feitas diretamente para a câmera, com close no rosto, não surtem muito efeito. E as respostas para elas flutuam em clichês do tipo: “somos todos iguais”, o que pode sugerir simplicidade ao tratar de causas tão complexas. As temáticas suscitadas são bastante pertinentes, entretanto o documentário, que até tem bastante potencial, deixa a desejar nesses quesitos e na tentativa de conduzir o espectador em alguma imersão mais completa.