Crítica: O Que Eu Não Vejo, Enxergo (dir. Fabrício Medeiros)

Texto: Enio Moraes Júnior

O Que Eu Não Vejo, Enxergo” reflete sobre importância de driblar barreiras e ir em frente

Cléia tem 57 anos e tem baixa visão. Daniela, com cegueira congênita, tem 22 anos. As duas protagonizam “O Que Eu Não Vejo, Enxergo” (BRA, 2024), curta dirigido pelo alagoano Fabrício Medeiros. Em vez de olharem para essa condição como uma impossibilidade, as personagens vivem, batalham pelo futuro e abrem caminhos e possibilidades para outras pessoas.

É exatamente esse o ponto de partida do documentário de 15 minutos e também por onde o diretor começa a costurar a empatia do público com as protagonistas, ambas cursando faculdade de psicologia. É claro que limites, superproteção, exclusão e preconceitos são temas que as atravessam. Entretanto, o mais palpável das histórias é a resistência que eles fazem a isso.

Para além dessa abordagem, a obra tem três grandes méritos. Em primeiro lugar, sem heroísmos, Medeiros conduz o olhar do telespectador para pessoas que, com naturalidade, enfrentam desafios impostos a elas para acessar coisas como cozinhar, estudar, ter amigos e enxergar – embora, como ressaltam as protagonistas, “enxergar só seja possível com o coração”. A forma como elas lidam como a baixa visão ou a cegueira congênita, somada à maneira como a direção realça esse fato, desvitimiza e empodera as duas mulheres, mostrando que limites sempre podem ser contornados.

Fora da tela

Em segundo lugar, em vez de estarem em um grande centro urbano, as personagens estão em Arapiraca, cidade do agreste de Alagoas. É importante revelar histórias de vida em lugares como esse, fora do ecossistema das metrópoles brasileiras e aparentemente remotos. Mais que isso, vale sempre a pena pontuar que, mesmo em regiões onde políticas públicas de acessibilidade ainda estão por serem consolidadas, há gerações de pessoas que caminham em busca dos seus direitos, problematizando e superando estigmas a elas impostos.

Por fim – e este talvez seja o grande mérito do filme – os relatos são feitos com tanta veracidade e delicadeza pelas protagonistas que parece que as duas estão ao lado de quem as assiste. Ponto para as duas, bastante empáticas, mas também para o roteiro, a direção e a edição. A narrativa flui como se Cléia e Daniela estivessem fora da tela, ali, conversando com quem as assiste e provando de que viver é desafiador e cada pessoa tem suas agruras. Mas é necessário driblar as barreiras e ir em frente.

“O Que Eu Não Vejo, Enxergo” é o primeiro documentário de Fabrício Medeiros, que já esteve na direção de outras formas de narrativas em vídeo. Que venham outros trabalhos com a pegada deste curta! Afinal, em plena efervescência das lutas identitárias do século XXI, faz todo sentido desvitimizar, encorajar e empoderar as pessoas e as diferentes formas de existência. Cléia e Daniela, como todos nós, querem, podem e conseguem.

Sobre Enio Moraes Junior
Enio Moraes Júnior é natural de Penedo (AL). Jornalista formado pela UFAL, é doutor em Ciências da Comunicação pela USP, vinculado à qual coordena a Rede de Estudos de Jornalismo de Migração e Refúgio em Contextos Latino-americanos (Remolinos). Desde 2017 vive em Berlim, na Alemanha, onde desenvolve trabalhos com pessoas com deficiência.

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