Alagoar se consolida como ponto de convergência do audiovisual alagoano

Texto: Rafhael Barbosa.

Contar a história do Alagoar é reconstituir um pedaço da trajetória recente do cinema alagoano.  Me recordo de quantas vezes ouvi falar, consultei e discuti o trabalho de Conclusão de Curso de Larissa Lisboa na graduação de Jornalismo da Ufal. O TCC se propunha a atualizar o livro Panorama do Cinema Alagoano, de Elinado Barros, ampliando seu catálogo com um levantamento de dados sobre a produção local desde que o mais representativo dos críticos alagoanos lançou sua contribuição.

Naquele ano, 2008, eu também defenderia meu Trabalho de Conclusão de Curso, o documentário “Chimarrão, Rapadura e Outras Histórias”. Era meu primeiro filme. No ano seguinte, ele seria exibido na I edição da Mostra Sururu junto com “Contos de Película”, primeiro filme de Larissa, que tem como um de seus personagens justamente Elinaldo Barros.

Na edição número um da mostra, que ainda não era competitiva, passaram os primeiros filmes de diversos outros colegas, egressos ou não do curso de jornalismo, que logo despontariam entre os principais nomes da produção alagoana. “Lamentos”, de Henrique Oliveira, “Areias que Falam”, de Arilene de Castro, e “A Paisagem e o Movimento”, de Alice Jardim, estavam entre os títulos exibidos, ao lado de nomes já consolidados na cena.

Os anos seguintes foram de bons ventos para o cinema local. A produção se intensificou e a cada safra vimos uma maturidade maior, técnica e artisticamente. Os editais de fomento começaram em 2010, e desde então, ainda que de modo vacilante, têm possibilitado a existência de obras que levaram a mensagem do cinema alagoano para todo o Brasil. Mesmo sem um número exato, eu chutaria que, de 2010 para cá, já chegamos a pelo menos 60 festivais nacionais e internacionais.

A Mostra Sururu se consolidou e caminha para sua sétima edição mais vibrante do que nunca.  A classe tem conseguido se esquivar das brigas de vaidades e da competitividade infantil para se organizar e lutar por políticas públicas. E aos poucos elas estão vindo.

E então chegamos ao Audiovisual Alagoas, projeto derivado do catálogo de Larissa Lisboa, que em abril de 2015 se concretizou graças ao apoio de outra jornalista formada na Ufal: Amanda Duarte, que assim como nós teimou em fazer cinema em Alagoas.

Antes mesmo que comemorasse seu primeiro aniversário, o projeto se tornou um importante ponto de convergência para as diversas iniciativas do segmento, sejam de formação, difusão, produção ou mobilização da classe.

Testemunha do trajeto percorrido pelo projeto desde o embrião gestado em 2008, me voluntariei para coordenar a série Cine Ping Pong, trazendo entrevistas com profissionais de distintas áreas do audiovisual alagoano. Diante do aniversário do projeto, que passou por uma repaginação da identidade visual e foi rebatizado de “Alagoar”, o Cine Ping Pong ganha uma edição especial para conversar com Larissa Lisboa e Amanda Duarte, as responsáveis pela empreitada que, esperamos, tenha muito mais história a contar.

RAFHAEL BARBOSA – Com qual sentimento vocês chegam a esse aniversário de um ano?

LARISSA LISBOA – Apaixonadamente grata e ansiosa. Gratidão, paixão e ansiedade são sentimentos que me acompanham desde o dia em que concordei com Amanda Duarte em resgatar o projeto do catálogo de Produção Audiovisual Alagoana, lançá-lo como site e buscar fortalecer a comunicação e a formação, através desta e de outras possibilidades. Gratidão por estarmos alimentando a nossa paixão pelo audiovisual, e contando com a colaboração, interação e atenção dos que também nutrem sentimentos por essa linguagem. Ansiedade pelo que o amadurecimento nos possibilita ver além e pelo desejo de investir mais na conservação, difusão da memória e formação  audiovisual.

Alegria em lembrar das grandes pequenas conquistas, descobertas, parcerias, trocas, e em vislumbrar com prazer mais claramente o caminho que desejamos percorrer através do Alagoar.

AMANDA DUARTE – Tenho sentido orgulho, pelo que foi construído durante esse último ano, e esperança, em relação às possibilidades de continuidade e renovação não apenas do site, mas do projeto como um todo. Esse sentimento também está relacionado ao Audiovisual alagoano, que vive um momento de união dos seus profissionais, frente a um mundo de lutas que estão sendo e/ou que ainda precisam ser travadas pelo desenvolvimento do segmento. Fico feliz por ver que o site e o projeto como um todo têm contribuído com essa união e com a valorização da produção audiovisual local.

“Virtualmente, a semente do projeto foi plantada em 2010, mas apenas em 2015, ao identificar algumas dezenas de filmes alagoanos on-line e a colaboração dos parceiros que compõem a equipe do site, tornou-se palpável e sistemática a pesquisa, divulgação, cobertura, difusão e parceria do projeto com os realizadores e interessados nesta linguagem.”

RB – Quando o Audiovisual Alagoas foi criado, qual era seu principal objetivo?

LL – O projeto Audiovisual Alagoas nasceu pelo desejo de atualizar o livro Panorama do Cinema Alagoano, de Elinado Barros, apresentado como Catálogo da Produção Audiovisual Alagoana (TCC de minha autoria) em 2008. Seu principal objetivo era coletar e difundir as informações sobre as produções audiovisuais alagoanas.

Virtualmente, a semente do projeto foi plantada em 2010, mas apenas em 2015, ao identificar algumas dezenas de filmes alagoanos on-line e a colaboração dos parceiros que compõem a equipe do site, tornou-se palpável e sistemática a pesquisa, divulgação, cobertura, difusão e parceria do projeto com os realizadores e interessados nesta linguagem.

“Estamos iniciando o segundo ano do site com novas seções e com um novo formato de envio de dados para o catálogo. Outra novidade diz respeito aos lançamentos de produções na internet em parceria com os/as realizadores/as.”

RB – Quais novidades o site, agora rebatizado de “Alagoar”, vai trazer em sua nova fase?

AD – Estamos iniciando o segundo ano do site com novas seções e com um novo formato de envio de dados para o catálogo. Agora, além dos espaços destinados a produções, cineclubes e projetos, também temos um voltado à divulgação de nomes e contatos de profissionais e outro que vai conter uma lista de produtoras locais e seus respectivos dados. São soluções simples, mas que terão um efeito muito positivo para o segmento, facilitando a comunicação entre profissionais e produtoras de Alagoas e servindo de guia para empresas de fora que buscam serviços e parcerias no estado.

Para os realizadores, está mais fácil cadastrar informações no catálogo porque criamos formulários de preenchimento rápido tanto para o envio de conteúdos para as seções antigas quanto para as novas.

Outra novidade diz respeito aos lançamentos de produções na internet em parceria com os/as realizadores/as. Já colaborávamos compartilhando conteúdos de divulgação das produções na nossa fanpage, mas a partir de agora iremos criar também conteúdos para o site e dinamizar mais os lançamentos. Essa ação engajada é mais uma forma que encontramos de dar visibilidade à produção local. O regulamento para solicitação de lançamento online em parceria com o Alagoar já está disponível no nosso site.

Cia do Chapéu
Bastidores do filme “Cia do Chapéu”, documentário dirigido por Larissa Lisboa. Foto: Amanda Nascimento

RB – Vocês trabalham com uma equipe muito reduzida, o que impossibilita maiores ambições. Mesmo com essa limitação, quais são os planos para o futuro?

AD – Ainda que estejamos com foco maior no site, sempre estamos nos questionando e nos convidando para colocar em prática os demais planos do projeto. Esperamos iniciar muito em breve a nossa atuação na área de formação, com a realização de cursos, oficinas e atividades afins. Também almejamos a publicação gráfica do catálogo digital e a realização de outras atividades ligadas à preservação da memória, à formação, à difusão e à distribuição audiovisual, mas seguimos dando os passos que as nossas pernas alcançam.

“O site está aberto a parcerias, convite sempre renovado aos interessados que compartilhem da paixão pelo Audiovisual Alagoano. Ainda estamos buscando amadurecer o planejamento para captação de recursos, e sofremos com o acúmulo de funções e ausência de experiência comercial. Direcionamos esforços também para o estudo de editais.”

RB – O site está aberto a parcerias comerciais? Existe algum tipo de planejamento para captação de recursos?

LL – O site está aberto a parcerias, convite sempre renovado aos interessados que compartilhem da paixão pelo Audiovisual Alagoano. Ainda estamos buscando amadurecer o planejamento para captação de recursos, e sofremos com o acúmulo de funções e ausência de experiência comercial. Direcionamos esforços também para o estudo de editais.

RB – O “Alagoar” está montando um importante banco de dados do cinema alagoano. Como esse levantamento tem sido feito? Em que medida os realizadores têm colaborado?

LL – O mapeamento realizado em 2008 para o Catálogo da Produção Audiovisual Alagoana (TCC) foi o ponto de partida, somado à pesquisa virtual em torno de localizar produções alagoanas que estão on-line. Em parceria com o Coletivo Popfuzz e a coordenação de produção cultural da UFAL, foi possível inserir informações sobre os filmes que participaram da Mostra Sururu de Cinema Alagoano e do Festival de Cinema Universitário de Alagoas. Através de pesquisas virtuais, foi possível reunir informações sobre os editais realizados em Alagoas e localizar as produções on-line catalogadas. Buscamos manter contato com os realizadores, encaminhar as informações que coletamos ou pedir informações que não encontramos, contudo ainda estamos aguardando retorno de boa parte dos contatos realizados.

RB – Quais as principais dificuldades que vocês têm enfrentado?

AD – O que a Larissa comentou tem a ver com uma das nossas dificuldades, que é a de não haver um número razoável de realizadores que colaborem enviando informações sobre as suas produções. Isso resulta em sobrecarga principalmente para ela, que, além de ser a coordenadora geral da iniciativa, é a que mais trabalha na parte de pesquisa e catalogação. Muitas vezes, nos vimos travadas na parte de divulgação porque ainda não havia um ou outro filme no catálogo, e os/as realizadores/as não davam muita importância aos apelos da Lari. Preciso ser sincera e dizer que acho que muita gente ainda não percebeu a importância do projeto para a produção audiovisual local.

Outro dia desses, conheci um site novo que cataloga documentários brasileiros. Assim que descobri o catálogo, enviei as informações dos docs que fiz. Isso me tomou apenas alguns poucos minutos. Sei que sou suspeita para falar disso por fazer parte do Alagoar, mas acredito que é preciso que a gente tenha em mente que colaborar com esse tipo de iniciativa enviando informações não é um favor. Esses projetos não existem para si, mas para o coletivo. É importante reconhecer isso.

Infelizmente, esse não é o único problema que enfrentamos. Por sermos uma iniciativa independente, temos uma equipe muito pequena para dar conta de forma completamente voluntária de trabalhos de pesquisa, catalogação, produção de conteúdo, gerenciamento de mídias, articulação, produção e outras atividades. Também temos uma grande dificuldade financeira que, além de impossibilitar remunerar qualquer um/a de nós ou de novos/as colaboradores/as pelo trabalho prestado, também faz com que as demandas mais inevitáveis tenham que ser custeadas com dinheiro do bolso. Todas as despesas com hospedagem e domínios do site, divulgação patrocinada, produção e afins são pagas pela Larissa. Ela é uma guerreira. O Alagoar é o seu projeto de vida.

Acho que temos conseguido manter o site apesar de tudo por causa dessa energia que ela e que cada um que chega para colaborar com o projeto tem. Vejo que tenho muito disso, assim como você, Rafha. A forma como você chegou ao projeto foi muito bonita. Num período no qual já estávamos sentindo o cansaço desse trabalho, você apareceu sugerindo a criação de uma nova série e já se pôs à disposição para torná-la real. O Cine Ping Pong tem proporcionado uma troca maravilhosa entre profissionais da área. Percebo que você também tem encontrado dificuldade com a série.

“Acredito que o caminho para o amadurecimento do audiovisual alagoano, em todos os sentidos, é a organização profissional e o engajamento político da categoria. O desenvolvimento do segmento não é e nunca será inerente ao curso natural do tempo e da história regional e/ou nacional.”

RB – A equipe do site também milita em outras frentes pelo audiovisual alagoano. Que avaliação vocês fazem do cenário atual, artisticamente e politicamente? O que falta para alcançarmos maturidade?

LL – Vejo maturidade artística e política naqueles que optaram por realizar por conta própria e através de editais. E também nos que não mediram esforços em buscar a sua formação, quer através dos escassos cursos, oficinas, cineclubes, ou em outras opções fora de Alagoas. Mas sinto que falta proatividade na avaliação do cenário atual, empenho artístico e político para que alcancemos o que desejamos coletivamente. Anseio o fortalecimento, e para tanto é preciso renovar constantemente os esforços e aceitar o desafio de construir coletivamente. Sem mencionar a cobrança quanto à sistematização dos editais, da realização dos cursos e oficinas, a implementação da formação técnica e acadêmica, a inclusão do ensino da matéria  cinema/audiovisual na educação básica, o incentivo a cineclubes, a difusão das produções alagoanas no estado e fora dele, pra mencionar algumas de nossas necessidades.

AD – Acredito que o caminho para o amadurecimento do audiovisual alagoano, em todos os sentidos, é a organização profissional e o engajamento político da categoria. O desenvolvimento do segmento não é e nunca será inerente ao curso natural do tempo e da história regional e/ou nacional. Precisamos estar ativos/as para discutir, construir e reivindicar na condição de setor profissional. Acredito tanto nisso que, mesmo tendo pouca experiência na área, busco estar sempre presente nos espaços de discussão. A participação do Alagoar no Fórum Setorial, inclusive, é mais um motivo de orgulho pra mim.

Também percebo que algumas pessoas que se distanciavam desses espaços têm começado a se aproximar. Isso é maravilhoso. Acho que, apesar das inúmeras dificuldades que encontramos para aprender, produzir e difundir audiovisual em Alagoas, estamos num bom momento de retomada do nosso compromisso com o segmento. Talvez estejamos acordando para a necessidade de organização justamente por continuarmos vivenciando essas antigas e persistentes dificuldades.

Bastidores do filme "Menina", de Amanda Duarte e Maysa Santos. Foto: Itawi Albuquerque.
Bastidores do filme “Menina”, de Amanda Duarte e Maysa Santos. Foto: Itawi Albuquerque.

RB – Que recado a equipe do “Alagoar” deixa para os realizadores alagoanos e para o público?

LL e AD – Queremos que realizadores e espectadores aproveitem ao máximo as ações do Alagoar, pois o projeto existe principalmente para quem faz e para quem consome audiovisual em Alagoas. Estamos nessa “missão” por acreditarmos num futuro melhor para o segmento, e esperamos contar cada vez mais com a colaboração de todo/as para o fortalecimento do nosso trabalho. Também provocamos os profissionais da área a refletirem sobre a importância da participação nas discussões e construções setoriais. Sigamos!

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