Texto: Assessoria Núcleo Zero. Foto: Jul Sousa.
Instalada na fazenda Prazeres, em Porto Calvo, desde a última quarta-feira (08), a equipe do projeto Narrativas em Movimento repete ali procedimento semelhante ao vivenciado em outras cinco cidades alagoanas: uma imersão por referências históricas, relatos orais, cantos, gravuras clássicas, acervos fotográficos e um sem número de conteúdos colhidos com atores culturais locais.
Assim como aconteceu em Marechal Deodoro (15 de Novembro), União dos Palmares (20 de Novembro), Piranhas (21 de dezembro), Penedo (08 de janeiro) e Coqueiro Seco (18 de fevereiro), na noite deste sábado (11) o público porto calvense será confrontado com uma representação inédita de sua história.
A fachada da Igreja Nossa Senhora da Apresentação, inaugurada em 1610, será transformada numa grande tela onde serão apresentados os signos mais proeminentes da identidade local.
Figuras populares, grupos folclóricos e eruditos. Tudo que a região tem a oferecer é aproveitado na criação do espetáculo audiovisual.
O resultado, invariavelmente, tem sido surpreendente. Um impacto que se percebe facilmente nas expressões de encantamento da plateia. Olhares hipnotizados observam diante de si uma construção de imagens que ora lembra um documentário, ora remete a linguagem do videoclipe. Em outros momentos se converte numa sequência de experimentações visuais subjetivas.
A tarefa não é simples. Cabe à pequena equipe do estúdio de criação Núcleo Zero, idealizadora do projeto contemplado no programa Rumos Itaú Cultural, a missão de otimizar um processo de trabalho de apenas quatro dias (em meio a uma oficina e testes técnicos) para entregar uma apresentação que fique gravada na memória da cidade.
“Somos poucos, mas cada um possui habilidades distintas que são utilizadas no trabalho.”
Desde as primeiras horas da sexta-feira (10), véspera da apresentação, um grupo de quatro profissionais se debruçava sobre as imagens registradas na noite anterior, durante a oficina ministrada pelo Narrativas para 15 pessoas, no único Museu de Porto Calvo.
“Eu acho que o perfil multidisciplinar da nossa equipe conta muito para o êxito do projeto. Somos poucos, mas cada um possui habilidades distintas que são utilizadas no trabalho. Filmamos, editamos, animamos e produzimos apresentações ao vivo”, explica o designer e documentarista Werner Salles Bagetti (“EXU – Além do Bem e do Mal”) enquanto trabalha na edição do vídeo gerado na oficina.
TÉCNICA DE GUERRILHA
Já habituados a contornar as limitações encontradas a cada cidade, em Porto Calvo o grupo utilizou uma antiga Casa Grande do século XVIII, sem internet nem sinal de telefone, como uma espécie de base improvisada para trabalhar.
“Eu costumo dizer que é como uma ‘tática de guerrilha’. As especificidades do projeto nos colocam em constantes situações imprevisíveis. É preciso ter um certo desprendimento e senso de aventura. Não tinha como ser diferente. Uma das principais características do projeto era justamente atingir o público que normalmente não tem acesso a esse tipo de atividade. Ao mesmo tempo que precisamos ser muito objetivos, também não pode faltar espaço para a liberdade de criação, já que se trata de um trabalho artístico”, diz o jornalista e cineasta Rafhael Barbosa (“O que Lembro, Tenho”), produtor do projeto.
“Para quem cria é um desafio instigante tentar acessar o imaginário dos lugares, traduzir em imagens algo tão importante para eles, seja um símbolo religioso ou uma figura histórica.”
O esforço da equipe tem sido recompensado pela recepção do púbico e pelo retorno de quem vivenciou as oficinas e de algum modo foi impactado por elas.
“É uma experiência muito diferente para o público, e também pra gente. Ao contrário de um filme em animação que demora meses ou até anos para ficar pronto, um espetáculo desse tipo se relaciona com o público de modo quase imediato”, relata o artista visual e animador Weber Salles Bagetti (“Dialetos”).
Também animador, Ulysses Lins corrobora com o colega. “Para quem cria é um desafio instigante tentar acessar o imaginário dos lugares e traduzir em imagens algo tão importante para eles, seja um símbolo religioso ou uma figura histórica. Sem dúvida essa é uma forma de comunicação muito potente e uma expressão artística verdadeiramente popular”.
Participante da oficina em União dos Palmares, o rapper local Zulu Fernando teve uma de suas composições utilizada na apresentação. Na terra de Zumbi, o espetáculo se integrou à comemoração do Dia da Consciência Negra.
“A experiência vivida aqui em União dos Palmares foi um momento ímpar. Passar a nossa história de uma forma visual e musical foi de uma grande valia para mim. Será algo que eu quero viver novamente se possível. A atenção e paciência da galera foi também algo a se destacar, pois trabalhar algo tão detalhado em tão pouco tempo é uma tarefa nada fácil”, recorda o artista.
ÚLTIMA ETAPA
Após seis cidades e mais de mil quilômetros rodados o Narrativas em Movimento realiza a sua última edição com a apresentação em Porto Calvo.
Chega ao fim a etapa contemplada no programa Rumos Itaú Cultural. No entanto a equipe do projeto pretende continuar na estrada para encantar mais e mais plateias. Eles preparam agora uma edição temática voltada para os 200 anos de Alagoas, comemorados em 2017.
“Uma das coisas que mais me marcou na experiência foi ter percebido que em todas as cidades por onde passamos existe uma grande demanda por oportunidades. Todas elas possuem jovens talentos, sedentos por espaço e visibilidade. Por meio das oficinas e das apresentações o Narrativas deu voz a essas pessoas. Acredito que conseguimos ao menos acender uma fagulha neles. E às vezes isso é suficiente para mudar uma trajetória. Estamos muito satisfeitos com esse resultado e queremos continuar”, diz Werner Salles.
Segundo ele, no momento o projeto busca parcerias para viabilizar a próxima edição.
SEGUINDO A CARAVANA
Mesmo sem nenhuma apresentação em Maceió, o projeto conseguiu ir além do público nativo nos interiores e atraiu a atenção de artistas, curiosos, historiadores e antropólogos da capital para alguns dos espetáculos. Um deles foi o antropólogo e estudioso da cultura alagoana Edson Bezerra.
A experiência de vivenciar a passagem do Narrativas pela cidade de Coqueiro Seco, em fevereiro, inspirou o pesquisador a escrever o texto intitulado “Narrativas em Movimento: imagens a contrapelo nas entranhas das Alagoas”. Nele o autor analisa o projeto a partir de seu olhar etnográfico.
“O projeto, ao se inserir nos marcos das tradições, sinaliza para uma reinvenção das Alagoas a partir de uma explosão das entranhas das narrativas locais. Partindo do mapeamento de diferentes cartografias – cidades e substância do projeto, nele, foram todas elas reinscritas em bricolagens de imagens e de narrativas e personagens, as quais, na composição das montagens e dos painéis, sinalizam para marcos do que, em nossa percepção, se precipita para o que possa ser o entendimento de uma Alagoas Profunda, situando-se o adjetivo, a partir da compreensão de uma Alagoas a partir de suas entranhas”, escreve Edson.
O Narrativas em Movimento é uma grata surpresa. É um projeto que me impressiona pela síntese muito bem realizada entre tecnologia, preocupação antropológica, preocupação histórica, e de sensibilidade social e percepção de que é da necessidade de mudar a realidade que ele diagnostica.
Para o historiador Golbery Lessa, que esteve em Coqueiro Seco para prestigiar a apresentação, o que mais marcou foi a síntese entre tecnologia e história.
“O Narrativas em Movimento é uma grata surpresa. É um projeto que me impressiona pela síntese muito bem realizada entre tecnologia, preocupação antropológica, preocupação histórica, e de sensibilidade social e percepção de que é da necessidade de mudar a realidade que ele diagnostica. É um projeto que junta a melhor expertise em termo de produção de vídeo, de animação, de roteiro, com uma compreensão bastante sensível das necessidades sociais e de identidade das várias cidades alagoanas. Muito bem concebido, muito bem executado, e tem uma contribuição muito grande para a reflexão sobre Alagoas”, elogia Golbery.
PORTO CALVO
Em cada uma de suas etapas o projeto funcionou como um catalizador para a vocação histórica das cidades, abrindo espaço para as questões trazidas pelos moradores e participantes das oficinas.
Chamada de “museu invisível” pelo historiador Douglas Apratto Tenório, a cidade de Porto Calvo, a segunda mais antiga do estado, surge como destino final do Narrativas em Movimento trazendo o debate sobre as origens de Alagoas. Como narra o historiador na Enciclopédia dos Municípios Alagoanos, “desde a fase da expansão dos engenhos, passando pelo período de domínio holandês, ela esteve indelevelmente ligada à história do Nordeste e do Brasil”.
A memória de Porto Calvo é marcada profundamente pela figura de Domingos Fernandes Calabar, o mais polêmico personagem da história alagoana por ter deixado as forças portuguesas para lutar ao lado de seus inimigos, os holandeses, na condição de conselheiro e soldado.
SERVIÇO:
O quê: Apresentação do projeto Narrativas em Movimento
Onde e quando: Em Porto Calvo, na igreja Nossa Senhora da Apresentação, neste sábado (11), às 20h30
Aberto ao público
Informações: 99904-7770
Leave a Reply