Dirigido pelo famoso criador de Aquarius (2016) e Bacurau (2019), o filme em questão trata do cotidiano dos moradores de um bairro de classe média alta de Recife. A vida de vários deles é acompanhada de perto, sendo seus dramas e conflitos as instâncias que compõe um roteiro singelo, capaz de nos prender do início ao fim, sem necessariamente possuir uma trama bem definida no sentido tradicional.
A mulher que não suporta o latido dos cachorros; os guardas que de súbito aparecem a sua porta, prometendo segurança durante toda a madrugada; o trabalho e a vida amorosa de um dos membros da família mais influente da região: tudo é material a ser explorado aqui.
Além de um roteiro brilhante, que mostra (como poucos filmes) a beleza e o brilho da vida como ela é, a obra possuí atributos técnicos notáveis. A fotografia segue uma linha não-convencional, ao passo que dá closes (aproximações) muito peculiares em determinados objetos cênicos, e também no ato de focar em determinadas ações, durante suas cenas, tornando o que poderia ser um ato simples em algo poético.
As atuações são outra parte notável no longa. A destaque para a atriz Maeve Jinkings, que faz Bia, uma mulher nervosa, com elevado nível de estresse e um aparente desequilíbrio emocional, ao passo que briga com vizinhas, agride os cachorros alheios e toma remédios para dormir (além de outras formas de se acalmar), mas ao mesmo tempo carinhosa e solícita com seus filhos. Ou seja, uma personagem de camadas, complexa, bem construída e interpretada. Outras personagens também despertam muito interesse, como a misteriosa Sofia (Irma Brown) e os cômicos Dinho e Clodoaldo (Yuri Holanda e Irabdhir Santos). Acima de tudo, aqui temos uma forte impressão de realidade, o que nos faz adentrar de maneira intensa na trama.
Não suficiente, a parte sonora do filme – algo que pode ser notado desde de seu título – é inquestionavelmente precisa e perfeitamente captada. Passos, sons da roda do carro no asfalto, beijos, bombas. A relação das personagens com a música. Pode-se sentir cada momento, viver cada cena como se estivéssemos ali.
Apesar da narrativa não convencional, onde não existe uma trajetória de começo, meio e fim, com um personagem central envolvido em uma problemática-chave que guie o roteiro, O som ao redor cria situações de pura tensão ou ternura, a partir de suas situações mundanas.
Assim, Kleber Mendonça Filho esbanja muito talento ao criar seu primeiro longa-metragem de ficção, de maneira memorável, através do entrelaçamento de histórias prosaicas, por meio planos originais genialmente sonorizados e uma narrativa muito particular. Filme indispensável no repertório de espectador brasileiro.
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