“Onde Você Mora?”: texto e entrevista

Texto: Roseane Monteiro. Perguntas e revisão: Larissa Lisboa. Respostas: Leonardo Santana, Karina Liliane e Débora Delduque. Imagens: Flávia Correia.

Onde você mora? É com essa pergunta simples, que o documentário produzido pelo 8º Ateliê Sesc de Cinema vai construindo uma reflexão a respeito, como uma colcha de retalhos costurada pela perspectiva dos moradores dos bairros da Pajuçara e Ponta da Terra. O filme não tem o papel de esclarecer ou estabelecer quem mora em qual bairro. Mas sim, exibir e problematizar as riquezas desses bairros de Maceió.

Esses bairros simbióticos formam um pequeno cosmo das diferenças sociais, econômicas, culturais e étnicas de Maceió. Entretanto, a Pajuçara com o seu mar azul esverdeado e de belíssimas piscinas naturais tem os holofotes e a atenção da exploração do turismo. É o que vende Maceió, lá fora.

Posso afirmar que a riqueza da Ponta da Terra não cabe nos postais, os terreiros, a escola de samba, as quitandas, os varais nas portas das casas e a própria condição periférica do bairro… Será a Ponta da Terra um Quilombo/Kilombo Urbano nos dizeres da historiadora Beatriz Nascimento? Mas a sua condição de Quilombo a beira mar foi sufocada para uma ponta de uma terra.

O filme dirigido coletivamente junto as falas e o cotidiano dos moradores, apresenta uma perspectiva vista de baixo, que bebe do humor, do grave. É um filme da estética do gueto.

Equipe de “Onde Você Mora?”

Entrevistamos três dos nove diretores de Onde Você Mora?, veja abaixo.

Alagoar – Como ficou sabendo do Ateliê Sesc de Cinema?

Leonardo Santana de Souza – A oportunidade de participar do Ateliê SESC de Cinema me apareceu num momento bastante oportuno: tinha acabado de terminar o ensino médio e estava com tempo livre para ver o que fazer da vida. Soube do curso através da fanpage Alagoar. Como cinema sempre foi algo de meu interesse, quando vi o anúncio pela primeira vez corri para me inscrever.

Karina Liliane – Eu descobri a existência do projeto quando fui estagiária de produção cultural – audiovisual no Sesc no ano de 2016 enquanto estava sendo realizada a sétima edição do Ateliê.

Débora Delduque – Um grande amigo meu, que estava cursando teatro na UFAL, havia me falado do projeto e me incentivou a participar. Depois, em conversa com uma ex-participante do projeto, me senti bastante motivada a fazer parte da edição posterior.

Alagoar – Como foi participar da oitava edição do projeto?

LSS – No primeiro módulo, além de termos aprendido mais sobre a história do cinema mundial, assisti a filmes nacionais e, sobretudo, alagoanos dos quais nunca tinha ouvido falar e que são de muitíssima qualidade. Mas o Ateliê não foi apenas isso, foi um projeto que, antes de tudo, levou em consideração a experiência do encontro com o outro e da descoberta de uma comunidade. A metodologia de ensino nos submetia à experiência de coletividade: a sala de aula era pequena, o que nos obrigava a estar perto um do outro e a quebrar o constrangimento através do diálogo. A comunicação era mais direta e pessoal, assim era uma verdadeira troca de conhecimento. As aulas de fotografia foram as melhores, na minha opinião, pois, nós, por estarmos acostumados a tirar nossas fotos de modo automático e com o celular, principalmente, não imaginamos que uma simples câmera possa nos dá tanta possibilidade de criação.

O processo de aprendizagem sobre o cinema ainda nos trouxe a vagarosa descoberta de um bairro: houve pesquisa e debate, por vezes tivemos que caminhar pelas ruas da Pajuçara e, principalmente, tivemos que conversar com os moradores em busca de personagens para o nosso filme. O projeto foi de fato uma vivência: aprendíamos sobre roteiro enquanto escrevíamos o nosso, aprendíamos sobre produção enquanto produzíamos, e aprendíamos a montar enquanto montávamos o que viria a ser o nosso documentário.

KL – Foi muito especial participar da oitava edição do projeto. A minha participação se deu por meio de convite feito por Larissa Lisboa, analista em audiovisual do Sesc, e assim eu comecei a frequentar as aulas a partir do terceiro módulo, o módulo de roteiro. Eu fiquei muito feliz ao receber o convite, mas ao mesmo tempo apreensiva de como seria a recepção de todos os outros alunos que estavam participando do projeto desde o começo e a recepção não poderia ter sido melhor. Toda a turma e a oficineira responsável pelo módulo receberam a mim e aos outros 3 alunos que chegamos nesse momento para integrar a turma de braços abertos, disponíveis tanto para nos contar o caminho que já haviam percorrido até ali quanto para ouvir as nossas ponderações e novas ideias para juntos construirmos o filme. Além disso, paralelamente a construção de Onde você mora? eu estava vivenciando a experiência de montar e finalizar meu primeiro curta como diretora solo, Delas, e com certeza foi a união dessas duas experiências que me fortaleceu para me assumir de fato como diretora e me sentir capaz de ocupar esse e qualquer outro lugar dentro do audiovisual que eu queira.

DD – Olha, foi um grande desafio. Ficamos, praticamente, 8 meses tendo aula todas as semanas, passando os sábados no SESC… Foi um teste de resistência e de muita perseverança. Estávamos todos muito certos do quanto queríamos fazer o filme e a importância da proposta que ele trazia. Muitos de nós ainda não tínhamos experiência na prática com o audiovisual, então foi uma descoberta muito gostosa do que seria os bastidores de um filme. Desde o roteiro à produção, muitas novidades iam surgindo e trocas de experiência eram vivenciadas. Sempre houve muito respeito à opinião alheia e conseguimos trazer uma unidade muito bacana pro filme, que foi feito a muitas mãos. Foi, sem dúvidas, uma das experiências mais singulares que vivenciei em minha carreira. O SESC traz projetos culturais de extrema qualidade para o estado e eu sou muito grata de ter a oportunidade de ter tido vivências únicas.

Alagoar – Como foi o processo de realização de “Onde Você Mora?”?

LSS – O curta Onde Você Mora? surgiu da pretensão de falar sobre a sensação de pertencimento e identidade de um povo em determinado bairro, levando o espectador a questionar a sua relação com o bairro em que vive. A ideia, no que me lembro, foi sugerida por Maysa Reis em meio as aulas de roteiro. Chegamos à dedução de que a sensação de pertencimento é a que se dá através da participação do indivíduo na vida comunitária. Lugares onde se concentram a coletividade, as praias por exemplo, os espaços e as associações culturais, é onde se dá a sensação de pertencimento. Assim, demos voz a icônicos moradores que se relacionavam ativamente com os bairros da Pajuçara e da Ponta da Terra. Muito do que descobrimos a respeito da história dos bairros e algumas de suas curiosidades ficou de fora do filme, pois havia a necessidade de tornar sucinta a narrativa, de seguir a estrutura do roteiro, e assim executar o que nos foi ensinado. Havia, além disso, o limite de duração do filme: 15min. O senhor Prego, presidente da escola de samba Gaviões da Pajuçara, talvez tenha sido o que mais falou e o que mais foi cortado no processo de montagem, pois nos forneceu informações que dariam outros filmes.

KL – O processo de realização desse documentário foi baseado na construção coletiva. Desde as primeiras escolhas até a finalização do curta tudo foi pensado e feito em coletivo por toda turma. Nós passamos por vários módulos ao longo do projeto onde em cada um deles era trabalhado uma parte específica do filme. Dessa forma pudemos conhecer todas as etapas da construção de um filme, tenha ele o formato e tamanho que for, enquanto íamos pensando e executando o que era trabalhado em sala de aula pelas oficineiras.

DD – O documentário nasceu a partir da reflexão, em sala, acerca do relacionamento que as pessoas têm com o bairro em que moram. Procuramos dar voz a diversos protagonistas no filme, cada qual com a sua unicidade, de forma a deixar evidente os diferentes olhares que as pessoas tinham acerca de dois bairros tão próximos e tão diferentes ao mesmo tempo: Ponta da Terra e Pajuçara. Acredito que isto tenha trazido uma riqueza de detalhes muito bonita para o nosso filme. Importante mencionar também que foi tudo construído coletivamente, todas as escolhas e reflexões foram feitas em conjunto. É muito interessante ver que, no filme, existem traços muito peculiares de cada um.

Alagoar – Deixe a sua minibio aqui.

Leonardo Santana de Souza, pseudônimo: Hutamárty, é escritor, design gráfico e realizador audiovisual. Escreveu, atuou e produziu filmes em curtas-metragens, além de ter desenvolvido projetos pessoais que relacionam fotografia e poesia. Suas principais obras cinematográficas são: Pisadas na Areia (2018), O Guará e o Anum (2019), e na literatura, escreveu: O Melindrante (2017).

Karina Liliane é graduada em jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas e atriz formada pela Escola Técnica de Artes da mesma Universidade. Durante o curso técnico participou de quatro montagens (Delírio dos Exdrúxulos, A Feia, Guerreiro da Viçosa e Obscuridades Agressivas) e participou de várias oficinas e cursos com grupos de diversas regiões do país. Já no cinema sua relação começou a se construir ainda na infância como espectadora, passando por figuração (Zumbification e Wonderfull – Meu eu em mim) e mais tarde no curso de jornalismo pode ampliar seus conhecimentos sobre a área através da disciplina Fundamentos de Cinema. Em 2016 estagiou na Coordenação de Cultura do Sesc Alagoas pela linguagem audiovisual e teve a chance de estreitar o laço que já vinha criando com cinema alagoano. No mesmo ano, integrou as equipes dos minutos Filme do Filme, Com-posição e Roupa Qualquer, este último selecionado para compor a Mostra Melhores Minutos 2016 do Festival do Minuto, e do curta-metragem Isso Vale Um Filme executando funções diversas. Em 2017 estreou como diretora com o curta-metragem Delas que possui argumento e roteiro também seus, além de compor a equipe de direção coletiva e som direto do documentário Onde você mora?. Em 2018 fez parte da equipe de produção dos curtas Alano e Feirinha, foi assistente de direção do Filme Aniversário e compôs a equipe de produção da IX Mostra Sururu de Cinema Alagoano. Para além das experiências no teatro e cinema trabalha com produção de palco e roadie de shows e festivais de música, sendo o último a 20ª edição do Festival MADA na cidade de Natal/RN, desde 2015.

Débora Delduque é graduanda em Direito pela Universidade Federal de Alagoas, instituição em que também é formada como atriz, pela Escola Técnica de Artes. Atuou em diversas peças de teatro, dentre elas “A Granja dos Corações Amargurados”, do Grupo Claricena, sob a direção de Anderson Vieira e “Sonho de uma Noite de Verão”, adaptação do clássico homônimo de Shakespeare, dirigido por Alex Cerqueira. Além disso, foi figurante no filme “Serial Kelly”, de René Guerra. Também participou de várias oficinas e cursos com grupos de diversas regiões do país. Em 2017, inicia sua carreira no audiovisual compondo a equipe de direção e produção do documentário “onde você mora?”. Atualmente, se encontra dedicada à carreira da música – voz e piano – e à literatura, participando de diversos concursos de contos e de poesias, bem como à dança, fazendo parte do movimento de dança twerk.

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