Crítica: Originários (dir. Marcelo Amorim)

Texto: Rivis. Revisão: Tatiana Magalhães.

Quem disse que tradição não dá em árvore?

Na cena que inaugura o curta-metragem Originários (2019), de Marcelo Amorim, uma criança escala uma árvore com firmeza e habilidade. Parece mesmo saber o que está fazendo e parece gostar. O trecho nos lembra que é de baixo para cima que se cresce. Brotar e crescer é multiplicar e perpetuar. E para aquela aldeia, que somos convidados a conhecer junto com câmera que pousa sem pressa, criança é semente.

Espectador e câmera chegam juntos. Devagar. Quase que espreitando. É para não assustar ou interferir demais na rotina de quem tem ritmo próprio. Aprendemos desde cedo que é preciso ter modos na casa dos outros, afinal. De pés descalços, prontos para mergulhar ou tragar um fumo natural no cachimbo apreciado pelos integrantes da comunidade, vamos aos poucos nos sentindo em casa.

A produção traz para a tela o dia a dia da vida indígena e a dedicação dos adultos ao ofício de transmitir as tradições de geração em geração. Tarefa difícil nos tempos atuais. “Nóis vai prestando atenção nos mais velhos, no que eles tão fazendo, pra nóis seguir o mesmo caminho que eles”, confidencia uma das crianças, enquanto traga aquele cachimbo de fumo natural. Mas, apesar do objetivo inocente de querer ser espelho, sinais como os nomes dados à prole que vem nascendo na aldeia, as vestimentas e os tipos de brincadeira que fazem parte do dia a dia descortinam o fato de que o legado dos povos indígenas já divide espaço com a modernização. A busca pela preservação das características próprias é, agora, luta pela conservação da memória.

“Tem alguns que criticam a gente porque a gente é índio. Não, índio tem que viver nu. Muitos branco têm isso. Os índio de hoje quer que seja que nem os de antigamente pra viver nu no mei da mata”, revela aquela mesma criança que não larga o cachimbo. Talvez o menino não saiba, mas a situação por ele lembrada é mais corriqueira do que se imagina.

Não é incomum ouvir o “homem branco” fazendo esse tipo de comentário. Os não indígenas ignoram que foram eles que não tiraram os sapatos para entrar na casa dos povos originários. Eles sequer bateram à porta. Desde então, o indígena não é mais aquele descrito na literatura marginal de Chacal lá pelos idos dos anos 1970. Em Papo de índio, os nativos não se deixaram levar pelos “ômi de saia preta cheiu di caixinha e pó branco qui eles disserum qui chamava açucri”.

Originários expõe um tema já conhecido e ancora-se no fato inconteste de que hoje o indígenaé cada vez mais minoria dentro do seu próprio território. E o que lhe resta? Plantar as sementes e esperar que as tradições continuem brotando dentro daqueles que, mesmo tendo o poder de escolha, optam pelas permanências.

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