A multiartista Alice Carvalho e sua trajetória no audiovisual

Perguntas por Karina Liliane. Respostas por Alice Carvalho. Foto em destaque:Magdiel Henrique.

Se você é daquela(e)s que acompanham webséries brasileiras, LGBT em especial, com certeza já ouviu falar de Alice Carvalho. Mas se ainda não, não tem problema. Alice é uma artista de alma inquieta. Essa inquietude a fez fluir por diversas linguagens. No audiovisual, através da websérie potiguar SEPTO, ela recebeu reconhecimento nacional e internacional pelo seu trabalho. Nessa entrevista concedida ao Alagoar ela compartilha conosco como essa relação com o audiovisual se iniciou e por quais caminhos ele a levou.

Karina Liliane: Olá Alice, tudo bem? É um prazer estar dialogando contigo! Você é atriz, roteirista, dramaturga, escritora, uma multi artista. Começa contando pra nós por onde a tua relação com a arte se iniciou e como você foi fluindo para as outras linguagens.

Alice Carvalho: Oi Karina. Imagina, o prazer é todo meu. Minha carreira começou de uma forma muito orgânica, muito cedo também, aos 8 anos. Eu era uma criança muito hiperativa, e, na época da escola, fui salva de uma retaliação mais forte da equipe de direção do colégio pelo meu professor de artes, que rapidamente identificou que aquilo ali era necessidade de expressão. Foi ele quem me acompanhou e a partir disso, naquela época, foi notável que a arte poderia ser um instrumento lúdico de auxílio para aquela criança inquieta que eu era. De lá pra cá fui me enveredando nas diferentes vertentes, sem muito pensar nisso como uma profissão. Acabou sendo.

KL: Qual era a tua relação com o audiovisual antes de SEPTO?

AC: Não existia uma relação muito além dos vários “nãos” em testes de vídeo. SEPTO surgiu da minha vontade de experimentar a linguagem. Quando me vi sem resposta e sem chances em obras de terceiros, tive vontade de criar algo pra mim. Virou o que virou.

KL: Como foi o momento em que teve a ideia do mote central de SEPTO e quando tomou a decisão de tirar essa ideia do papel?

AC: Além dessa frustração de não conseguir nenhum papel em outras obras, surgiu também dum período conturbado de questionamento profissional e pessoal, tava terminando um relacionamento importante e o argumento da série saiu durante um período de isolamento que eu estava passando, na praia da Pipa. Esbocei num guardanapo em um bar. Quando voltei pra Natal mostrei pra uma amiga – que também
se chama Pipa rs – e ela botou fé, desenvolvemos juntas as possibilidades de formato. Inicialmente SEPTO seria um curta.

KL: A partir dessa decisão quais caminhos percorridos por você e pela equipe que se formava para captação de recursos e viabilização das gravações e distribuição da websérie? O projeto desde o início já tinha o formato de websérie? Porque?

AC: Eu e Pipa transformamos a ideia do curta em série para a web. Pesquisamos sobre o formato – que era muito novo no Brasil – e buscamos parcerias que pudessem distribuir a obra. Algum canal com relevância em plataforma de stream para podermos alcançar o máximo de audiência do nicho LGBT. Firmamos uma parceria com o Brasileiríssimos, hoje nosso distribuidor oficial no Brasil via Youtube, rodamos um
pequeno teaser com entrevista dos roteiristas para anexar a nossa ação no Catarse, plataforma de financiamento coletivo online. Aconteceu o que esperávamos e o Brasileiríssimos captou o público que apostou na ideia e contribuiu com o montante de 16 mil reais via crowdfunding.

KL: Septo é uma websérie com inúmeras indicações a prêmios em festivais do mundo todo. Mesmo com todo esse reconhecimento entre o lançamento da primeira e da segunda temporada houve um hiato de 3 anos. A que você atribui isso? Quais as dificuldades enfrentadas por vocês (equipe de produção e roteiro) e como as driblaram? Pensaram em desistir em algum momento?

AC: Depois da primeira temporada ter sido feita com pouca grana e muito trabalho, decidimos que a segunda temporada precisaria ser feita com mais estrutura financeira e técnica, não poderíamos fazer um produto aquém do que já existia. Pipa Dantas, antiga diretora geral, passou o posto para Babi Baracho e ficamos nós duas numa tentativa incessante de financiamento via editais, leis de incentivo… até que fomos aprovadas no edital Itaú Rumos Cultural, que financiou não só a segunda como também a terceira temporada da série. Acho que nesse hiato houve de tudo: desânimo, cansaço, mas nunca perdemos a esperança porque no fim de tudo, havia ali uma história que precisava ser contada de qualquer jeito.

KL: Continuando a falar dessas indicações e premiações… Quando você volta ao Buenos Aires Webfest e o primeiro prêmio recebido pelo voto popular lá em 2017, passa por todas as outras indicações, e chega até ao licenciamento e distribuição da série atráves da plataforma Revry para mais de 100 países, o que você sente?

AC: Acho que o que mais sinto é orgulho do trabalho em equipe. Tudo só deu certo porque fizemos juntos, porque há muito amor também nos bastidores. Existem pessoas de verdade lutando por isso comigo.

KL: E o reconhecimento do público, como é para você e toda equipe receber esse carinho?

AC: Eu sou MUITO encabulada, ainda to aprendendo a lidar. É muito louco porque antes de SEPTO não existia esse tipo de relação com o público. Acaba que viramos, aqui no nordeste, uma equipe de referência e isso é muito gratificante para todos nós.

KL: O reconhecimento tanto de crítica como de público influenciou as escolhas feitas por vocês ao longo desses anos?

AC: De uma certa forma sim. É importante estar com a escuta atenta ao que as pessoas falam. Um exemplo disso é que eu não criei SEPTO para que houvesse representatividade para o nicho, para as mulheres nordestinas, para as pessoas de cor. A série representa isso porque levamos quem somos para as telas. Quando eu percebi o que a série era para as pessoas e para a crítica, comecei a aprofundar ainda
mais a narrativa, a escolha de personagens e de equipe nessa missão de trazer representatividade para as telas e também para quem constrói tecnicamente a história, oportunizando trabalho para as minorias.

KL: Como foi gravar a última temporada de SEPTO? E como está a expectativa para o lançamento dela?

AC: Foi emocionante. Me despedir de Jéssica foi dificílimo mas, ao mesmo tempo, um alívio. Uma sensação de dever cumprido. Sobre o lançamento, tô tentando não pensar muito nessa despedida, focando na produção, nas ações de marketing, porque sei que vai ser bem difícil, vou chorar muito rs. Para a terceira temporada preparamos uma ação coletiva com mais outras duas webséries – MANU e Esconderijo. A ação coletiva de marketing que vai se chamar #3VezesMaisFortes, num movimento virtual de integração dos públicos, das equipes, das nossas missões enquanto artistas. Vai ser algo bem grande, mas é tudo o que eu posso falar até agora. MANU sai em janeiro, Esconderijo em fevereiro e SEPTO em março, fechando o ciclo de lançamento de produções nacionais.

KL: Depois de SEPTO você já atuou em curtas-metragens, certo?! Como foram essas experiências?

AC: Maravilhoso, sempre. SEPTO foi uma escola, me abriu portas para vários trabalhos no audiovisual brasileiro.

KL: Em novembro do ano passado foi ao ar a sua participação como a personagem Fátima na série Segunda Chamada da rede Globo. Conta pra nós como foi essa experiência desde o processo de seleção até o retorno que está recebendo do público.

AC: Eu coleciono várias bolas na trave dentro da emissora, quase já fiz vários trabalhos rs. Até agradeço esses vários quases, porque sem eles, SEPTO não existiria. Segunda Chamada apareceu pra mim através da produtora de elenco da Globo Vanessa Veiga, que já me conhecia de outros quases e que não sossegou até me escalar pra algo tão profundo como foi Fátima. O retorno do público foi lindo, gente de todo Brasil, gente que me conhecia de SEPTO ficando admirado. Não há como negar que Segunda Chamada foi uma grande janela pra mim.

KL: Como se dão os teus processos de preparação de elenco? Você percebe ou sente que há alguma diferença nesse processo dependendo do formato para qual você está se preparando (websérie, série de TV e curta-metragem)?

AC: Ultimamente meus processos têm sido todos compartilhados com minha amiga e preparadora Márcia Lohss. De SEPTO à Segunda Chamada, mesmo tendo um preparador da própria obra, eu sempre recorro a ela para um acompanhamento individual. Eu tenho algo muito meu que é fazer uma preparação física e teórica de forma simultânea, então eu levanto referências, entendo a personagem, penso como é o corpo daquela pessoa, como é o visual, como fala, como se comporta. À partir disso vou vendo o que tem daquela pessoa em mim, porque no fim das contas, ela e eu seremos uma só. É sempre muito intenso, é um trabalho diário, mas é a parte que eu mais gosto. Gosto mais até do que ir pro set filmar, rs.

KL: Como você se enxerga atuando no audiovisual nos próximos anos?

AC: Espero que já tenha experimentado muita coisa. Longas, médias, novelas, outras séries. Eu sou essa pessoa que atua em várias áreas também, então penso que essa trajetória para o futuro seja regada à muito estudo e muitos processos compartilhados também.

Foto: Ian Rassari

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copiada do site  www.carvalhoalice.carbonmade.com/about

Artista desde 2013, Alice Carvalho possui experiência como atriz, roteirista, dramaturga, escritora e é discente no curso de Artes Visuais na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Sua formação de atriz foi adquirida em workshops e oficinas livres com grupos como Clowns de Shakespeare, Cia. Teatro Interrompido, SEM Cia. de Teatro e Coletivo Alfenim.
No teatro esteve em cartaz com “Brutal” (drama de Mário Bortolotto), “DO AMOR” (comédia autoral), circulou o país de 2014 a 2015 com seu número de Stand Up Comedy e em 2017 estreou “INKUBUS” (thriller/drama autoral) sob a direção de Junior Dalberto, espetáculo que angariou o prêmio de “Artista do Ano” para Alice Carvalho no Troféu Cultura RN.
Como escritora lançou em 2015 o livro “Do Amor – E algumas crônicas…” pela editora Jovens Escribas, com o prefácio de Ingrid Guimarães, circulando com palestras ao lado de nomes como Marcelino Freire e Xico Sá. Em 2018 lançou “A Princesa Empoderou”, coletânea de contos e crônicas publicadas em jornais e revistas de Natal.
Em 2016 idealizou, roteirizou e protagonizou a Websérie SEPTO, vencedora do prêmio de “Melhor Websérie” no Buenos Aires Webfest 2017, “Melhor Elenco de Drama” no Rio Webfest 2017, “Destaque Audiovisual” no Troféu Cultura RN, além de ter sido indicada a prêmios em 4 categorias no Asia Web Awards 2017 e 3 no Seoul Webfest 2017.
Em 2018, após ter sido escolhida no Rio Webfest, SEPTO representou o Brasil em festivais na Alemanha (Die Seriale e Wendie Webfest) e nos Estados Unidos (Streamy Awards 2018 e Out Webfest), tornando-se o primeiro projeto audiovisual potiguar a receber destaque em Hollywood.
Em 2019 escreveu e protagonizou a segunda temporada da bem-sucedida “SEPTO”, financiada através do edital Rumos Itaú Cultural. Integrou o elenco da super-série da Globo “Segunda Chamada” e da segunda temporada da série “MANU”, produção da Substrato Filmes. Criou clipes para as bandas BaianaSystem e BARRO.

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