Alagoanos convidam a financiar coletivamente documentário sobre casamentos prematuros

Fonte: Estúdio Atroá

A ideia de realizar o documentário “À Espera” veio de Sónia André, moçambicana, doutoranda em Educação na UFAL , mãe de uma menina de 10 anos e feminista negra que atua em causas relacionadas a igualdade de gênero e no combate aos casamentos prematuros. Ideia abraçada pelo cineasta Nivaldo Vasconcelos e do fotógrafo cinematográfico Matheus Nobre, ambos alagoanos.

O filme foi gravado na província de Niassa, em abril de 2016 e será um instrumento social de luta contra os casamentos prematuros que roubam a infância, interrompem a educação e colocam em risco a saúde de crianças naquela parcela do país, contribuindo para a pobreza e imobilidade social dessas meninas.

A campanha de financiamento coletivo pelo catarse viabilizará a distribuição do filme, além da edição, sonorização, finalização, impressão dos cartazes, DVDs, envio das recompensas e os 13% do catarse.

CASAMENTOS PREMATUROS 

Moçambique encontra-se em 10° lugar no mundo entre os países mais afetados pelos casamentos prematuros. Meninas com menos de 18 anos casam com homens muito mais velhos. Em algumas províncias a menina é prometida a um homem por vários motivos, entre os quais o pagamento de uma dívida ou como preço por serviços prestados por um médico tradicional.

De acordo com os dados do Inquérito Demográfico e de Saúde (IDS), em 2011, 39% das meninas que casaram antes da idade de 15 anos também tiveram o seu primeiro filho antes dos 15 anos.

Escola Primária Mbambala
Escola Primária Mbambala

RELATOS DE FILMAGEM “À ESPERA”  por Matheus Nobre

Niassa, ao norte de Moçambique, é a maior província e também a mais carente. Lichinga, sua capital, tem um aeroporto bem pequeno. O barro vermelho está por todos os lados da cidade. Se fosse comparar a alguma cidade daqui, chutaria Paripueira, porém com uma estrutura melhor em alguns aspectos. O clima é bastante agradável, chegando a temperaturas de menos de 10 graus durante a noite e no começo da manhã. E não estávamos no inverno!

No primeiro dia de gravações, acompanhamos a comitiva do governador do Niassa, Arlindo Chilundo, a Marrupa (fala-se Marupa). As comunidades de assentam ao longo da estrada estreita, sem acostamento. Niassa, de acordo com o que me foi explicado, foi basicamente um local militar e, por isso não desenvolveram muitas estradas. É, hoje, o maior produtor e distribuidor de alguns grãos de Moçambique e ainda não conta com a devida estrutura para melhorar a logística. Conta somente com uma boa estrada e mesmo assim não é super segura. No comício, o governador falou sobre diversos assuntos, desde as boas práticas de plantio de modo a preservar a fauna e flora locais até a questão dos ritos de iniciação, evasão escolar e casamentos prematuros, sempre com o auxílio de um tradutor, que levava a mensagem para o idioma daquela população, pois alguns, senão maioria, não fala português, dificuldade que encontramos mais à frente, na etapa final de produção.

Nos dias seguintes, gravamos num hospital com a Dra. Maritza, uma médica cubana que nos concedeu um relato super valioso, e com o médico Narciso Rondinho, que nos deu informações mais técnicas sobre o assunto. Na escola Mbambala, entrevistamos duas meninas grávidas e gravamos uma aula. As crianças são muito curiosas, porém a comunicação é muito difícil devido ao fato de não falarem português. Poucas são as que falam. Imagino como é, para elas, acompanhar as aulas.

Na etapa final, gravamos em Meponda, um povoado a 60km de Lichinga. A estreita estrada de barro, em más condições, faz com que essa viagem dure 2h30m. Quando fomos lá pela primeira vez, para conhecer o local, entendemos que precisaríamos dormir lá mesmo, pois cinco horas de viagem diárias tornariam tudo mais difícil. Percebemos, também, que precisaríamos de um gerador para carregar os equipamentos, uma vez que o local não tem energia elétrica. Curioso é que, se eu não soubesse que o lugar é banhado pelo Lago Niassa, poderia jurar que estava diante de um oceano.

 

Quintal do Sr. Xavier. À direita, um Baobá, lá conhecido como Embondeiro, muito comum na região e que é integrado às casas como uma espécie de muro.
Quintal do Sr. Xavier. À direita, um Baobá, lá conhecido como Embondeiro, muito comum na região e que é integrado às casas como uma espécie de muro.

Durante os dias de gravação, quem nos auxiliou foi o Sr. Xavier. Descobrimos sua paixão por filmes assim que entramos em sua casa. As paredes da sala são repletas de cartazes de filmes antigos. Ele ainda organiza exibições em seu quintal. Para isso, usa seu gerador e cobra 2 meticais para ajudar com os custos. Só para ter uma ideia, R$ 1,00 vale aproximadamente MZN 15.

A nossa presença causou diversas reações nas crianças do local. Algumas se interessavam, vinham falar. Outras, principalmente as mais novas, tinham verdadeiro pavor e caíam no choro. Não sabemos exatamente por quê. Se achavam que a roubaríamos, se só estranharam as peles mais claras ou se achavam que éramos albinos, que em muitos lugares da África são mortos para que deles se façam poções.

As gravações correram bem, porém pesou em nós a realidade daquela gente. De manhã cedo, o lixo produzido no dia anterior é queimado, uma vez que não há coleta de lixo na região. Nem mesmo em Lichinga, capital da província, há.

O pôr do sol é um espetáculo à parte. No Lago Niassa, o sol se refresca após um dia de trabalho. Um descanso mais que merecido.

pordosol niassa
Pôr do sol no Lago Niassa.

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