Texto e imagem: Larissa Lisboa. Revisão: Emanuella Lima e Marco Fialho
O significado do termo produção audiovisual tem por essência uma natureza múltipla, partindo da premissa que o termo produção pode se referir ao processo de elaboração, filmagem e montagem/finalização de uma obra audiovisual; como também pode ser usado para se referir a qualquer obra audiovisual como resultado de um processo de produção, tornando produção audiovisual como forma de também se referir a obra. Partindo do termo audiovisual, a associação apresenta outras abrangências, podendo significar ao ser entendido como obra: filme, videoclipe, série, propaganda, entre outros.
O Alagoar é um espaço aberto para imersão, difusão e troca sobre a produção audiovisual alagoana. A ausência de conteúdos a respeito da produção de videoclipes, séries, ou de outros formatos de criações audiovisuais (exceto conteúdo de propaganda), provoca invisibilização, o que não está entre os objetivos do Alagoar, mas são consequências de limitações estruturais, apesar da indimensionável dedicação e colaboração investida para realizar o que foi possível compartilhar nos últimos seis anos.
A invisibilização está presente inclusive dentro da área principal de pesquisa e difusão do Alagoar, filmes alagoanos, o que pode e deve provocar reflexões, ações, e inquietações. Há uma expectativa de que uma única iniciativa, que não dispõe de recursos para pesquisa e outras ações, seja capaz de representar a pluralidade e diversidade, da cultura e do audiovisual alagoano; que dê voz para todes, visibilize, reconheça e mantenha em evidência. É necessário acreditar na potência do Alagoar, mas dentre as formas que se pode escolher manter essa crença (de forma ativa ou passiva), há consequências, principalmente relacionadas às vozes que estejam ativas nesta ou em qualquer outra iniciativa, segundo suas origens, referências, convicções políticas, construções narrativas, persistência, forma de escrita, etc.
(Se você acredita que uma dessas vozes não pode ser a sua, fica aqui também o desejo de que reflita se não pode mesmo ser.)
Uma das ausências que a despeito de inquietações (internas, em especial as minhas) ainda não parece ter resposta efetiva, é o apagamento dos longas-metragens alagoanos, seja pela ausência de pesquisa a respeito, pela precariedade de difusão e preservação dos que foram feitos, ou pela recorrente disputa de propagar um novo longa como o primeiro já feito em Alagoas (seja por sua inovação ou por desconhecimento da filmografia local).
Há filmes de longa duração cadastrados em nosso Catálogo de Produção, no entanto, não dispomos de nenhum espaço que os reúna como longas, uma vez que optamos por reunir os filmes sem separá-los por sua duração. Por isso os listo aqui:
A Volta pela Estrada da Violência (1971, Direção: Aécio de Andrade)
Guenzo (1982, direção: Joaquim Alves)
Ouça o Silêncio (1998, direção: Joaquim Alves)
Sepulcro Caiado (1998, direção: Benedcto Fersan)
O Preço da Ressurreição (2001, direção: Benedcto Fersan)
Sank, O Andarilho da Sabedoria (2005, direção: Herbert Lisboa Torres)
A Vage da Cumade (2007, Direção: Benedcto Fersan)
O Agente Kennedy e a fórmula DHD (2007, direção: Herbert Lisboa Torres)
O Suicídio (2007, direção: Pedro Onofre)
Terra Maldita (2010, direção: Pedro Onofre)
Zona Trash (2014, direção: Clauwelivan S. Rocha)
Vida de Camping – 3000km Esquentando a Cabeça (2016, direção: Henrique Cardeal)
O Anarquista de Santa Luzia (2017/18, direção: Lutero Rodrigues)
Saneamento Trágico (2018, direção: Zazo)
Cavalo (2020, direção: Rafhael Barbosa e Werner Salles Bagetti)
Devido a não preservação dos primeiros filmes é desconhecida a duração deles, entretanto, ficou registrada na pesquisa feita por Elinaldo Barros em Panorama do Cinema Alagoano (1983, 2010), e no acervo do catálogo da Cinemateca Brasileira, o filme Um Bravo do Nordeste como primeiro longa-metragem produzido na localidade, realizado na passagem de Edson Chagas, cineasta pernambucano por Alagoas em 1931.
Já Casamento é negócio? (dir. Guilherme Rogato, 1933), é o único filme da primeira década da produção audiovisual alagoana que foi razoavelmente preservado e improvisadamente digitalizado (não há informação do atual do estado da cópia), consta como segundo longa-metragem alagoano, tendo duração de 41 minutos.
Para reconhecer um filme como longa-metragem pode se ter como parâmetro o que foi registrado em livros e veículos de comunicação, ou a regulamentação em vigência da Agência Nacional de Cinema – Ancine, que estabelece em 70 minutos a duração mínima de um filme de longa-metragem. No entanto, não é incomum que Mostras e Festivais exercitem reconhecer como longas filmes com duração inferior a 70 minutos.
A lista apresentada acima não dá conta de mapear todos os filmes de longa duração produzidos em Alagoas por residentes no Estado, nem os filmes com coprodução alagoana. Frisa-se esta distinção, uma vez que A Volta pela Estrada da Violência é uma coprodução alagoana, ou um filme nacional reconhecido como produção alagoana.
As produções vistas como nacionais não tendem a estimular o seu reconhecimento regional (ou estadual). Para que um filme seja visto como produção ou coprodução de um determinado estado, é inerente que além do diretor residir (ou ter nascido) naquela localidade, também haja produção daquele estado (no sentido de pessoas produtoras ou empresa produtora), além de expressivo percentual da equipe e elenco originários daquele lugar.
A fonte na qual foram coletadas as informações dos filmes de longa duração realizados entre 1921 e 2007, foi o “Produção Audiovisual Alagoana – catálogo e análise” Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Bruna Queiroz e Larissa Lisboa apresentado em 2008 na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), que foi uma proposta de atualização da primeira edição do livro Panorama do Cinema Alagoano (1983), de Elinaldo Barros. Terra Maldita consta na segunda edição revista e ampliada de Panorama lançado em 2010. Zona Trash foi visibilizado por veículos da mídia e na programação da Mostra de cinema alternativo MarginAL (2018), já os três longas realizados entre 2016 e 2018 foram mapeados a partir das edições da Mostra Sesc de Cinema – etapa Alagoas.
A primeira edição da Mostra Sesc de Cinema – etapa Alagoas realizada em 2018 foi possivelmente o primeiro evento realizado em Alagoas a abrir inscrição para filmes de longa duração realizados na localidade.
Zona Trash consta como primeiro longa-metragem realizado em Olho D’água das Flores, possivelmente também é a primeira obra nesta duração do gênero Terror Trash, mas devido a ausência de pesquisa e mapeamento de filmes deste gênero foi equivocadamente apontado como primeiro filme de Terror Trash. Em nosso Catálogo de Produções há obras de curta duração da Scoria Filmes e Ganapati Filmes que podem ser reconhecidas como deste mesmo gênero e que foram produzidas antes de Zona Trash, no entanto, boa parte delas só foram disponibilizadas on-line entre 2014 e 2015.
Incentivo público para filmes de longa duração
Em 2003, Alagoas foi contemplada junto aos demais estados do país pelo financiamento do DocTV para realização de um documentário de média-metragem, contou com a realização de quatro edições deste edital até 2009, através do qual foi incentivada a realização de cinco filmes. Apesar da descontinuidade do DocTV, ficou como herança a consciência de que editais públicos em audiovisual provocavam impacto na cultura local e podiam dialogar com o mercado do audiovisual nacional.
Em 2010, foi lançado o primeiro edital de prêmio de incentivo público à produção audiovisual alagoana pela Secretaria de Estado da Cultura de Alagoas (SECULT-AL), que chegou em 2021 a sua quinta edição. O primeiro edital público a prever incentivo para realização de longas-metragens foi lançado pela Prefeitura Municipal de Maceió, através da Fundação Municipal de Ação Cultural (FMAC) em 2015, Prêmio Guilherme Rogato em sua segunda e última edição.
O projeto contemplado em longa-metragem pelo Prêmio Guilherme Rogato foi Cavalo (dir. Rafhael Barbosa e Werner Salles Bagetti), a previsão era de apenas um projeto de longa duração neste edital. Cavalo é o primeiro longa-metragem alagoano realizado através de incentivo público, estreou em agosto de 2021 no circuito de exibição comercial brasileiro, chegando para muitas pessoas como primeiro filme alagoano que tiveram contato.
Uma reflexão anterior foi compartilhada no Alagoar sobre a realização de editais públicos em Alagoas até 2019, como reverberação também do testemunhar das novas edições de editais que haviam sido lançadas naquele ano (Panorama do incentivo público à produção audiovisual em Alagoas). Muito ainda pode e deve ser refletido sobre esse aspecto, entretanto, resumiremos aqui apenas de forma quantitativa os dados sobre projetos contemplados em longa-metragem e telefilme para ilustrar o contexto em desenvolvimento na produção audiovisual alagoana.
O IV Prêmio de Incentivo Público à Produção Audiovisual em Alagoas contemplou dois projetos de longa-metragem e dois de telefilme em 2016; o Edital do Audiovisual de Maceió 2019, contemplou três projetos de longa-metragem e três telefilmes. Ainda em 2019, o Edital de Fomento ao Audiovisual – ANCINE / PMA – Cine + Arapiraca (primeiro edital a não contemplar a capital alagoana) contemplou dois projetos de telefilme. Até o momento da publicação deste texto é possível contabilizar cinco longas-metragens e sete telefilmes em etapa de desenvolvimento. O V Prêmio de Incentivo Público à Produção Audiovisual em Alagoas tem previsão de contemplar três projetos de longa-metragem e três telefilmes ainda em 2021.
Conforme indicado no texto do Edital do Audiovisual de Maceió 2019, telefilme é uma obra audiovisual “com no mínimo 50 e no máximo 120 minutos de duração, produzida para primeira exibição em meios televisivos, encerrada em si mesma, e exibida de forma não fragmentada em capítulos”. Por compreender que os projetos contemplados ou a ser contemplados em telefilme em Alagoas podem vir a ser de longa duração, fizemos a inserção deles nesta reflexão.
A continuidade do incentivo à realização de filmes de longa duração a partir da política pública cultural em Alagoas, possibilita condições razoáveis para a realização dos filmes, como também impactou e impacta junto a realização de filmes de curta duração. No entanto, a existência dos editais de curtas na última década não inibiu a realização de filmes sem recurso. Em contraposição, no caso dos filmes de longa duração, a ausência de recursos é vista recorrentemente como impedimento para realização.
A compreensão de que os filmes de curta duração são etapas da formação de profissionais, estimula a feitura dos mesmos, o que é reforçado pela inserção de curtas-metragens em Mostras e Festivais locais ou nacionais. Contudo, a compreensão dos filmes de longa duração como etapas da formação ou de experimentação, quase não é aplicada. Os longas-metragens realizados sem recurso estão mais sujeitos do que os curtas, a serem comparados com os filmes comerciais exibidos na televisão e nas salas de cinema. Provém também da expectativa reducionista de que filmes de longa duração sejam trabalhos profissionais.
Na cultura e no audiovisual há espaço para o amador e o profissional, e ao contrário da crença de que a profissionalização está ameaçada pelo amadorismo, ou de que é preciso deixar de ser amador para ser um bom profissional, há muito mais sabor em apreciar o que o amadorismo pode construir, e como fortalecer o desenvolvimento de profissionais e profissões sem estigmatizar, oprimir, forçar padrões ou ser completamente oposto a criação amadora.
O Alagoar tem como objetivo ser um espaço para o profissional, o amador, obras audiovisuais sem recurso e com recurso, para a preservação da memória da produção audiovisual alagoana e construção de escritas sobre o cinema brasileiro, em especial sobre o feito em Alagoas por pessoas residentes no estado.
Os apontamentos aqui elencados buscam propor reflexões sobre o perigo de uma história única para a produção audiovisual alagoana, agravado pela escassez de pesquisa, formação, difusão, crítica, registros publicados nos jornais e em livros abordando o audiovisual local, o que facilita a difusão e perpetuação do que vier a ser divulgado como história(s) única(s).
“O perigo de uma história única” (The danger of a single story) é uma palestra de Chimamanda Adichie para o TED em 2009, que tem entre os desdobramentos um livro com o mesmo título. Ouvir Chimamanda dimensionar a partir das suas vivências o que ter uma única história provocou, – nas interpretações dela para com outras pessoas, e nos pré-julgamentos que ela sofreu e sofre como uma mulher negra nigeriana – possibilitou e possibilita trabalhar para não se limitar e/ou vacilar ao guiar-se por qualquer história ainda vista como única.
“That when we reject the single story, when we realize that there is never a single story about any place, we regain a kind of paradise.” – “Quando nós rejeitamos uma única história, quando percebemos que nunca há apenas uma história sobre nenhum lugar, nós reconquistamos um tipo de paraíso.” Chimamanda Adichie
Sinto que há muita estrada a ser percorrida para conquistarmos o paraíso repleto e aberto a diversas histórias da cultura alagoana. O tempo de vivência ou de pesquisa não é garantia de rejeição de uma única história. A efetiva rejeição, implica em diálogo, consciência crítica, dedicação e persistência para construção ou reconquista de memórias e histórias.
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