Aclamado em festivais internacionais como Marrakech e Veneza, o longa-metragem pernambucano Boi Neon, de Gabriel Mascaro, entra hoje (14) em cartaz em todo o país. Em Alagoas, a produção tem exibição no Arte Pajuçara, em Maceió, e no Cinesystem, em Arapiraca.
Boi Neon é um dos filmes brasileiros mais festejados do ano. A produção narra a jornada de Iremar (Juliano Cazarré), vaqueiro que, nos bastidores das vaquejadas, prepara os bois antes de soltá-los na arena. Levando a vida na estrada, o caminhão que transporta os bois para o evento é também a casa improvisada de Iremar e seus colegas de trabalho: Zé, seu parceiro de curral, e da dançarina Galega (Maeve Jinkings), que também é motorista do caminhão e mãe da audaciosa Cacá. Juntos, eles formam uma família improvisada e unida.
O cotidiano é intenso e visceral, mas algo inspira novas ambições em Iremar: a recente industrialização e o polo de confecção de roupas na região do semi-árido nordestino. Deitado em sua rede na traseira do caminhão, sua cabeça divaga em sonhos de lantejoulas, tecidos requintados e croquis. O vaqueiro esboça novos desejos.
Diretor de filmes como Doméstica e Ventos de Agosto, Gabriel Mascaro tem se destacado como um dos principais nomes de sua geração. Na entrevista a seguir, ele fala sobre o seu mais novo trabalho.
PERGUNTA – Como surgiu a ideia de fazer um filme sobre um vaqueiro que sonha ser estilista de moda?
GABRIEL MASCARO – O filme se passa numa região onde as atividades pecuárias e agrícolas agora dividem espaço com um grande polo industrial de confecção de roupas. Durante a pesquisa de escritura do roteiro entrei em contato com o mundo dos vaqueiros que trabalham nos bastidores da vaquejada e conheci em especial um que trabalhava com o gado e com a moda. Fiquei encantado pela forma como o vaqueiro ritualizava a limpeza dos rabos do boi e em seguida sentava na máquina de costura. E assim foi o ponto de partida para criar um personagem ficcional que acumula esta dupla jornada que mistura no ofício a força e delicadeza, a bravura e a sensibilidade, a violência e o afeto.
É a primeira vez que você trabalha com atores famosos no Brasil. Como foi a preparação do elenco?
Como eu venho do documentário e das artes visuais, trabalhar com atores deste porte foi um grande exercício de deslocamento. Fui assistido por Fátima Toledo (Cidade de Deus, Tropa de Elite, Céu de Suely) e ela trouxe uma linda experiência para o processo nos ensaios. Porém, tínhamos um grande desafio, que era a duração das cenas. Tivemos então um trabalho muito meticuloso para coreografar as cenas e ao mesmo tempo deixá-las porosas.
O filme se passa na mesma região em que foram filmados vários clássicos do cinema brasileiro do Cinema Novo nos anos 60 e 70. Porque essa escolha hoje em dia?
Esta região foi apontada por políticos e economistas brasileiros nos anos 60 como a “região problema” do Brasil por causa do histórico de desertificação, fome, sede, fanatismo religioso e das revoltas populares. Na mesma década, o cinema e a literatura foram buscar nesta região a alegoria da luta de classe e a revolução camponesa. O Cinema Novo se apropriou da região enquanto experiência que cristalizou até hoje alguns signos de representação, como a ideia de preservação das tradições culturais, da ideia de valentia quase sacralizada e puritana do homem trabalhador e na possibilidade deste homem culturalmente enraizado trazer novos valores para reparar a crise identitária dos centros urbanos. Hoje temos outro contexto no Brasil. A região cresceu economicamente de forma muito veloz, é cosmopolita. Então o filme se alicerça num cenário contemporâneo de prosperidade econômica regendo novos signos, desenhando novas relações humanas, afetos e desejos. É um filme sobre a transformação da paisagem humana.
Como foi o processo de conceituar visualmente o filme?
A ideia foi romper com a abordagem monocromática do imaginário desértico da região. Filmamos no curto período de chuvas e incluímos vários elementos multicores para problematizar a presença da cor enquanto agente político desta transformação econômica. A cinematografia do filme foi pensada como parte do jogo coreográfico da cena, e por isso a câmera sempre está em sutil e constante movimento, tateando um novo espaço, mapeando o tecido humano que emana desta paisagem confusa, ordinária e igualmente surreal que é hoje o Nordeste brasileiro.
Como foi o processo de construção dos personagens e a inversão de gêneros?
No filme proponho não necessariamente a inversão de gênero, mas a dilatação destas representações. A partir da ritualização do ordinário, tento não fazer destes deslocamentos de gênero algo sensacionalista, mas sim normalizar essas curvas. E para muito além da psicologia dos personagens, eu engajo o filme através da presença corpórea dos personagens e em todo o entorno que esta coreografia é capaz de mobilizar enquanto experiência poética. O filme não segue necessariamente a jornada de um personagem protagonista, mas aposta na experiência performática enquanto potência. É um filme de personagens estranhos, de experiências intensas, mas pouco sabemos quem são essas pessoas e porque nos envolvemos com elas. O filme registra o cotidiano e as contradições mínimas de uma rotina de trabalhadores. E como toda rotina segue, diferente da vida, o filme acaba.
SOBRE GABRIEL MASCARO
Gabriel Mascaro (1983) é realizador e artista visual de Recife, Brasil. Sua primeira ficção, Ventos de Agosto, teve première na competição principal do Festival de Locarno em 2014 e saiu com menção honrosa. O filme ganhou vários prêmios e foi aclamado pela crítica internacional.
Seus documentários e trabalhos artísticos têm sido exibidos em festivais e eventos internacionais importantes incluindo; Festival de Veneza, Toronto, Gijon, Rotterdam, (IFFR), Amsterdam (IDFA), Oberhausen, Clermont Ferrand, CPH:DOX, Leipzig, Guggenheim, Barcelona Museu de Arte Contemporáneo, MoMA, Quinzaine de documentários e a Bienal de São Paulo. Boi Neon é seu segundo longa metragem de ficção.
SERVIÇO:
Estreia do filme Boi Neon, de Gabriel Mascaro.
Onde e quando: Em Maceió, no Arte Pajuçara, com sessão às 20h25, e em Arapiraca, no CineSystem, às 18h40 e 21h40.
Mais informações em www.artepajucara.com.br e www.cinesystem.com.br.
Por Assessoria
Leave a Reply