Cobertura: 11ª Mostra Sururu de Cinema Alagoano – 2º dia

Texto: Roseane Monteiro. Revisão: Larissa Lisboa. Imagem: divulgação.

Os filmes selecionados para a Mostra Oficial – Filmes do Fim do Mundo têm sua particularidade do testemunho do que foi o ano de 2020, tanto na linguagem quanto nas narrativas. Foi o momento de experimentar, de sair do eixo e de contemplar. Esses filmes conversam entre si e nos mostram a pluralidade e a potência do cinema alagoano.

Mostra Oficial

Encanto Desencanto Encanto. Dir. Ulisses Arthur. Fic. 14min32seg.
Entre o tafetá, o tule e a seda, encontramos silêncios, o tédio e a estagnação de uma loja de vestidos de noiva na cidade de Viçosa. Porque esse tempo não é para festejar aniversários e nem casamentos. Os vestidos emanam um cheiro de naftalina, de poeira e sofrem com a ameaça do mofo. Contudo, por meio da fabulação temos uma saída, pois podemos criar outras narrativas e desejos. O filme cria canos de escape em meio a uma linguagem que beira o registro documental, de maneira orgânica nos auxiliam a sair do confinamento físico e mental. No curta-metragem Encanto Desencanto Encanto, a música cadencia o filme e nos embala para melancolia, assim como para esperança. O filme escolhe um lado, o de esperar e especular os momentos para celebrar.

FILME_URGÊNCIA_CORTE 1. Dir. Paulo Silver. Exp. 12min40seg.
Não consigo escrever sobre FILME_URGÊNCIA_CORTE 1 sem retomar para curta-metragem Tipoia (2018), também roteirizado e dirigido por Paulo Silver. Em Tipoia é exposta a fratura e a tentativa de recuperação de uma geração de jovens pós processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff. Ninguém imaginaria o pior, mas o fundo do poço não tem fim… Com a ascensão da extrema direita através do bolsonarismo e apoiados por fake news, movimentos negacionistas, igrejas neopentecostais, grupos anti-vacina, racistas e segmentos da sociedade que compreendem a arte como coisa de vagabundo. Tem-se a pandemia da Covid-19, o mundo para. Não se pode filmar, não se pode trabalhar com cinema. Essa geração quebrada chegou em um estado crítico, e Paulo Silver é um dos porta-vozes, com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, ele desnuda todo esse peso de criar em meio a uma pandemia, e de continuar acreditando na arte. O filme segue fazendo uso dos espaços indoor, das notícias da televisão, os áudios do WhastApp, mas também de silêncios que incomodam. Há uma preocupação com o futuro, através da contemplação do horizonte, por meio da cena em que Paulo olha pela janela de sua cozinha, essa imagem carrega receio e força perante um mundo melancólico. Falta mais um filme para Paulo Silver fechar a sua trilogia da fratura, enredo tem.

Marcas de Expressão – O reflexo da vida nas ruas. Dir. Luan Macedo e Valesca Macedo. Exp. 16min31seg.
O filme vai recorrer às imagens de um documentário gravado nos anos de 1990 e intercalar com entrevistas realizadas com duas mulheres trans, Natasha Wonderfull e Cristiane Efrré, com intuito de fazer um paralelo das dificuldades enfrentadas para viver em Alagoas. Na filmografia do cinema alagoano cito por exemplo Wonderfull – meu eu em mim (2016) de Dário Junior e Entre a Rua e o Palco de Dayvson de Oliveira, José Esmerino, Maykson Douglas e Thalis Firmino como dois filmes importantes para compreender o contexto de marginalização que sofrem esses corpos. Marcas de expressão contribui ao inserir essas mulheres como sobreviventes da prostituição, das intervenções físicas, do preconceito, da violência e da hipocrisia. É doloroso quando é jogado para debate no documentário por meio de imagens em VHS, quando pessoas usam o passado com saudosismo, sem reflexão, criam ilusões de que tudo já foi melhor. Nesse caso, essas minorias estão sob uma violência explícita desde muito tempo, seja por sua etnia, gênero e classe social. Para a sociedade alagoana, essas mulheres não tem o direito de viver, de frequentar uma escola, de trabalhar. Nesse sentido, é bastante simbólico termos Natasha e Cristiane como protagonistas. Elas são a exceção porque elas estão vivendo e envelhecendo para contar a sua história.

Marolas. Dir. Celso Brandão. Exp. 6min38seg.
Marolas consegue unir muitos Celsos, ao longo de uma carreira de quarenta e cinco anos no audiovisual. Podemos notar o contemplativo, as escalas de cinza, o mar, o mangue, os reflexos, as obras dos artistas e os tiradores de coco. Além disso, ele aparece em cena, performa com e sem máscara em vários espaços, até segurando uma folha de mangue. O filme tem plasticidade e criatividade ao dar vida às obras artísticas, ao processo de ressignificação das coisas banais de recriar e mostrar que aquele pedaço de madeira ordinário se transformou em escultura. Marolas mostrou a principal característica do diretor, a capacidade de observação das pequenas coisas, ou das coisas que banalizamos, Celso Brandão captura com sua câmera o lirismo e a contemplação do comum. O curta-metragem é uma declaração de amor à Alagoas, de seres inventivos que tiram da terra e da água o seu sustento, com suas raízes fixadas na cultura onde tapa o alagadiço.

Mulher Pandêmica. Dir. Luiza Leal, Maria França, Mirella Pimentel, Tayná Nogueira e Yolanda Ribeiro. Exp.13min30seg.
O filme utiliza do isolamento social como um processo íntimo de descobertas. Em meio à pandemia, entre angústias, medo e solidão podemos mudar, transcender? O que eu sou verdadeiramente? As sequências de imagens de Mulher Pandêmica levam a esses questionamentos. O medo da rua é presente em todas as mulheres, não precisamos de um vírus para isso, entretanto, nesse contexto tudo é potencializado. A personagem engole as palavras, as páginas do dicionário, temos que digerir a seco tudo isso? O filme traz um manifesto implícito, não sabemos o que vem pela frente, mas, é preciso pluralizar e se reinventar porque tudo que é sólido se liquidifica, muda e se transforma.

Nunca Olvidar. Dir. Oriana Perez. Exp. 2mim50seg.
O filme de Oriana Perez é um chamado para o reencontro com a arte, mas, precisamente o porquê devemos fazer arte. Uma vez ou outra nos perguntamos se acreditamos na arte, como ofício, e principalmente nesse período de distanciamento, tem-se um ambiente propício para as crises de ansiedade e identitária. Se a diretora não tem um país, uma local para chamar de sua, ela tem a arte como recurso para sobreviver.

O Abraço Logo Vem. Dir. Paulo Accioly. Ani. 2mim9seg.
O curta-metragem reproduz os sentimentos e as esperanças do mundo pós-pandemia. O filme destaca as ilustrações e as colagens no processo da dança do abraço. O Abraço Logo Vem tem a montagem orgânica e em poucos minutos consegue mandar mensagens de esperança para as pessoas.

Subsidência. Dir. Beatriz Vilela e Marcus José. Hib. 7min11seg.
Alagoas é aquilo que se ama e que se dói já dizia Dirceu Lindoso, contudo, foi a topofilia que levou Beatriz Vilela e Marcus José a produzir o curta-metragem na urgência que o momento permitia. O cinema é testemunha, então, de que a cidade de Maceió está sendo jogada em um buraco profundo. A protagonista do filme, Irene (Géssyca Geisa), ao acordar percebe que as paredes de sua casa estão trincadas, não há teto, janelas e portas. O que sobrou disso tudo? Como Irene deve reagir? Ela corre sem rumo na encruzilhada, mas, procura saber o que está acontecendo, não fica alheia. Nesse labirinto, ela cansa, perde as forças, arfa, mas, procura rotas de fuga. A personagem está presa pela lembrança da sua casa, dos familiares, dos vizinhos do bairro, pelos sons e cheiros. Afinal quem é Irene, Beatriz e Marcus sem a topofilia? Nesse caso, a protagonista foi arrancada com uma força predatória que tirou o seu eixo assim como milhares de alagoanos que estão nesse cenário de guerra, de uma guerra entre o homem e a natureza. A natureza revida como pode. Subsidência é um filme de guerrilha, feito com o intuito de alcançar a sociedade civil através do cinema, e nos faz refletir sobre a relação de guerra entre homem e natureza. Lança os sinais da tragédia vivida pelos maceioenses e indica o cinema como uma arma poderosa na luta por um mundo melhor.

Visão das Grotas. Agnes Vitória Nascimento Silva, Ewelyn Marília Lourenço dos Santos, Josias Brito da Silva, Letícia Cabral Silva, Mariana Alves Alexandre, Maysa Santos da Silva, Rafaela Maria de Oliveira, Tauan Santos Silva e Walisson Lima Fidelis. Doc. 26min57seg.
O documentário nos mostra o ponto de vista dos jovens que moram nas grotas de Maceió, essa visão de dentro nos dá um panorama de viver na periferia em meio a uma pandemia do coronavírus: as condições precárias de saneamento básico, a falta de água potável, a dificuldade de morar próximos uns dos outros para manter o mínimo do isolamento social, a dificuldade de emprego, a demora para receber o auxílio emergencial e os jovens tentando se manter na escola pública assistindo aulas online, no entanto, nem todos tem internet, outros não tem nem celular, e outros não tem nenhum deles. Esse registro do universo das grotas só foi possível a partir de imagens captadas por celulares dos diretores que ora davam os depoimentos, ora andavam pelas ruas para colher entrevistas dos vizinhos (conhecidos, amigos, parentes). O filme consegue nos conectar com essas pessoas, principalmente pelos diretores/atores sociais que mostram em imagem e som como a pandemia afeta muito mais as classes desprivilegiadas que moram em verdadeiros quilombos urbanos. É necessário que tenham mais filmes onde a periferia tenha voz e imagem para denunciar ou/e fabular sobre os seus corpos, vidas e locais.

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