Cobertura: A Colônia (dir. Mozart Freire e Virginia Pinho)

Texto: Leonardo A. Amorim. Revisão: Larissa Lisboa. Imagem: divulgação.

Começamos com uma imagem monocromática, com uma narração de qualidade “vintage” para apresentar o espaço que o filme vai abordar: um leprosário dos anos 40 no interior do Ceará, um local de isolamento compulsório chamado de colônia. A voz de qualidade radiofônica, artificial, descreve a maneira com que os doentes eram organizados, envolvendo inclusive policiamento entre eles e um prefeito escolhido mensalmente. Então o filme pula para o presente, para o mesmo espaço após anos. A Colônia adota uma linguagem híbrida com uma constância de discretos artifícios: tenta juntar a memória e o presente, entrevistas com sobreviventes e os dramas de suas personagens, em uma reflexão sobre a maneira que o Estado se organiza frente a questões de saúde e suas consequências.

Maracanaú cresceu em torno de dois espaços de segregação, um de tuberculose e outro de hanseníase, como bem destaca uma personagem. Já o filme A Colônia cresce também a partir de dois núcleos: a ficção e o documentário. A primeira com um trio de personagens, cada uma com um fino fio narrativo, seja cuidar de pacientes no hospital, encontrar uma casa para morar, ou levar seu filho para o parque aquático. Entre suas trajetórias há também os sobreviventes da hanseníase, os pacientes que são entrevistados de forma tradicional, utilizando talking heads com direito ao nome aparecendo. A justaposição entre os sobreviventes entrevistados com as personagens do presente tenta demonstrar como o passado não está tão longe assim, como as coisas não acabam realmente, assombram até hoje. Entretanto, ainda que a ideia seja interessante, há um problema quando se pensa muito profundamente sobre essas duas abordagens simultâneas. 

O risco recorrente de filmes que misturam linguagens documentais e ficcionais é não serem bem sucedidos nem enquanto um nem outro. “Mas tudo é ficção”, sim, entretanto existem formas de alcançá-la. A maneira em geral que os filmes do tipo tendem a fazer é como se a linguagem documental se desenvolvesse e abrisse para a possibilidade de criação em conjunto com as personagens escolhidas, no entanto, esse não é o caso de A Colônia. Há uma constante montagem paralela, quase dois filmes separados: uma cena dos descendentes da cidade, da juventude que tenta sobreviver, constituir moradia, fazer seus corres, e logo em seguida um momento de pesquisas e entrevistas, alterna entre ficção e documentário. 

É como se uma informasse a outra em uma tentativa de nos fazer experienciar o impacto histórico do que aconteceu na região de formas complementares, simultâneas. Como cenas individuais, a ficção é a que mais vai perdendo potência no decorrer do filme. Mas no fim a impressão que fica é que nenhuma é suficiente, que a história palpável ali presente não foi aproveitada de forma adequada para se organizar e realizar enquanto um longa: um problema de direção. No decorrer de A Colônia o que se inicia como uma possibilidade de artifício logo se mostra falho, como se não houvesse comprometimento com nenhuma linguagem. Resta a nós um documentário-acessório e uma ficção desvalorizada. É a docuficção em seu pior estado, quando ela expõe não as questões do subdesenvolvimento que a habilitam e a proliferam no cinema brasileiro dos últimos anos, mas denunciam uma falta de comprometimento com o olhar e aquilo que se deseja mostrar. 

Uma das cenas finais de A Colônia acontece em um parque aquático cheio de crianças brincando. Um espaço em que qualquer doença de pele se proliferaria com muita facilidade, que ganha um outro peso após tomarmos ciência da história, do mundo do filme. Nessa imagem há a união, o choque direto entre passado e presente, ficção e documentário, ou seja: cinema. Falta no filme a potência presente nesse registro das crianças na piscina, falta uma integração das linguagens aqui presente em algo que torne possível vislumbrar um futuro após a catástrofe, um lugar para se morar e viver sem esquecer da história que trouxe até aqui. 

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