Texto: Rosana Dias. Revisão: Larissa Lisboa. Imagem: Kamilla Feitosa (Circuito Penedo de Cinema) e divulgação.
No segundo dia da programação do Circuito Penedo de Cinema tivemos os bate papos com realizadores da Mostra Velho Chico de Cinema Ambiental e do Festival de Cinema Universitário de Alagoas, todos esses encontros estão sendo realizados em formato online com exibição através do canal do Circuito no Youtube.
Com exibição no Cine São Francisco dos filmes Ruído Branco (dir. Gabriel Fonseca), Para Todes (dir. Victor Hugo e equipe), Rock no fim do Touring (dir. Beatriz Vilela), Goma (dir. Igor Vasco), Pente Zero (dir. Tiago Felipe) e Segue o Baile (dir. Iury Santos e Gabriel Ribeiro), como parte da programação do Festival de Cinema Universitário de Alagoas.
Fotografias, vozes entremeadas, ruídos. Histórias são apresentadas em Ruído branco, filme com direção de Gabriel Fonseca, como se reconhecer como pessoa negra em uma sociedade baseada na miscigenação, uma sociedade carregada de orgulho em não falar NEGRO, PRETO. Pessoas de cor, foi isso que ouvi muito enquanto criança, “fulano casou com uma moça de cor”, uma forma de dizer que a pessoa não era branca. Hilda, uma das personagens do curta nos conta sua história, enquanto mulher negra vivenciando preconceitos e identificando-os como tal, nos fala sobre o processo de percepção e também sobre sua necessidade em expor isso dentro da academia por meio do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Sabrina e Flávia narram suas histórias sobre ser mulher e negra com pele não retinta, dos preconceitos sofridos e vantagens, pois se uma sociedade não te identifica de fato como uma pessoa negra, circular nos ruídos brancos é ser detento de alguma vantagem, mas não de privilégios.
O historiador Rafael Tim aborda a respeito de obras produzidas nas Artes Visuais e nos dá um panorama do racismo no Brasil, e do processo de embranquecimento. O filme é construído ricamente com imagens de arquivos, fotografias e depoimentos de pessoas negras, pessoas detentoras de conhecimento sobre o procedimento de apagamento da negritude, bem como, de que modo a história no Brasil é construída por mãos brancas, fato este que apaga sua Identidade.
Nascer Negro no Brasil é passar por um processo de se reconhecer como tal, de se identificar desse modo e adquirir consciência da defesa de sua negritude.
Uma escola, câmeras e jovens alunes em busca de um registro, Para Todes, de Victor Hugo e equipe, percorre as salas de aula da Escola Municipal Adalgisa Nery, no Rio de Janeiro, chamando estudantes para montar dois times de futebol, dois times mistos, plurais. Acompanhamos as inquietações, principalmente das meninas que se sentem excluídas dos jogos de futebol da escola. Vemos as desculpas dadas pelos meninos, justificativas questionáveis e que não atendem aos anseios daquelas garotas.
Em Para Todes, o futebol é jogo que não deve ser apenas de um gênero, ou para um tipo corpóreo, estudantes são convidados a jogar, mas não é só bem vindes quem sabe jogar, ali naquela disputa, o espaço é para quem quer jogar, para quem não tem oportunidade de jogar porque não se enquadra nos padrões, as meninas questionam não somente os meninos que compartilham do pensamento padrão, mas também aos professores que incentivam este tipo de pensar e agir nas escolas.
A narrativa de Para Todes nos mostra que no mundo do futebol nem todas as regras são válidas e aplicadas, elas podem e devem ser questionadas, o futebol pode ser um esporte praticado por meninas, pessoas gordas, e LGBT.
Rock no fim do Touring, de Beatriz Vilela, um filme com montagem bem elaborada, rico em imagens de arquivo, que aborda sobre a ocupação do túnel por bandas de rock em Brasília. Um local de passagem de pedestres que teve outra ocupação na cidade planejada, o filme aborda sobre como os músicos puderam se unir para construir um espaço para tocar suas canções em alto e bom som. Da necessidade de acessar esse lugar de outro modo, a passagem de pedestres deu lugar à passagem de som, a estética daquele lugar com outra funcionalidade baseada na necessidade de transmutar a Brasília conhecida por sua força política, mostrar que ali era um espaço de apresentação e criação de bandas de rock nas décadas de 1980 e 1990.
Em Rock no fim do Touring, Beatriz nos proporciona conhecer os músicos que se apresentaram no túnel, são eles que nos trazem relatos de suas apresentações, de suas inquietações quanto ao espaço que poderia ser retomado para o cenário cultural de Brasília. Esses personagens têm importantes relatos sobre aquela época, a narrativa do filme é fluida, há um trabalho cuidadoso de direção de arte e de pesquisa, bem como dos nomes dos personagens. Bandas como Cólera, punk rock, formada em 1979; Dorsal Atlântica, thrash metal, fundada no Rio de Janeiro, em 1981; ARD, pioneira do hardcore punk brasileiro, fundada em Brasília em 1984; Little Quail, banda de rock brasileira formada em 1988 e Animais dos Espelhos, Indie Alternativa de Brasília, em potente atividade na década de 1990, se apresentaram no Buraco do Rock.
A historicidade daquele túnel é retratada neste curta, assim como suas características arquitetônica e acústica que implicaram para que o espaço fosse usado com palco para as bandas de rock que ali atuaram com toda sua potência.
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Batalha: substantivo feminino, 1. MILITAR (TERMO): combate entre forças oponentes, em terra, no ar e/ou no mar. 2.troca de golpes; luta, duelo. Goma, filme de Igor Vasco, aborda a discriminação nas batalhas de RAP, e sobre o sonho de um jovem negro, Kid, em ter suas composições vistas com mais profundidade, assim como as letras de seu companheiro, Preto. O filme tem muita poética, e potente montagem e direção de arte, ainda que aborde tema tão pesado quanto o preconceito. Em Goma somos levados e levadas às Batalhas de rap conhecendo as rimas, e os anseios dessa juventude que ali naquele ambiente as expõem.
Há leveza na narrativa do filme, nessa batalha torcemos por Kid, para que ele, por meio da poesia, rima e ritmo possa vencer a cada batalha. Um ponto forte que vale ser destacado é a apresentação de Slam, com uma mina falando de suas inquietudes sobre a negritude, violência contra pessoas negras e genocídio, pretos que são mortos a cada hora. Embarcamos com as expectativas e anseios desses jovens.
A batalha é um lugar para se impor, para lutar e vencer, é um momento de fala no qual todos prestam atenção ao que é dito, é ali, falando e impondo sua voz que Kid se impõe na sociedade como pobre, gay e negro.
Pente zero, de Tiago Felipe, nos põe em contato com a incerteza de um jovem negro em cortar ou não o cabelo black power. A inquietação que o filme propõe é Por que o cabelo crespo incomoda tanto?
Passar a máquina no zero, passar cortando tudo, não incomodar o outro, não ver olhares estranhos, não ouvir falatório sobre um cabelo. Cortar tudo, deixar a cabeça raspada, é assim que querem, é assim que a sociedade racista e preconceituosa quer. Raspa, apaga, não há identidade, há negação da negritude.
Em Pente zero a direção, direção de arte, fotografia e montagem realizaram um trabalho que exalta a narrativa, o filme inicia com um silenciamento que nos provoca expectativas do porvir, e com ruídos que aos poucos vão se ampliando. Seriam esses ruídos nossas falas incansáveis, nossos questionamentos por uma sociedade igualitária e antirracista? Seria os ruídos de quem se cansou de olhares tortos e decidiu assumir seu cabelo crespo? Seria o grito dos excluídos? Seria o grito que querem calar a todo custo por meio de repressão policial? Seria o ruído de vozes que se ampliam na sociedade impondo sua presença nos lugares antes não ocupados?
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Segue o baile, de Iuri Santos e Gabriel Ribeiro, com uma narrativa nostálgica dos anos de 1990 no Rio de Janeiro, com rica direção de arte, e efeitos, tem a narrativa do amigos Maycon e Cabelo em suas tentativas de arrecadar dinheiro para ida a um dos bailes da cidade.
O filme tem jovens atores com atuação e diálogos que poderiam ser melhor aproveitados e construídos para que a narrativa do curta transcorresse com menos superficialidade. Visto que, tendo a cidade do Rio de Janeiro nos anos 90 infinitas possibilidades de temas a serem abordados, se aprofundar em um, os bailes funks daquele Estado, já é por si de grande valia. No entanto, carregar um filme com direção de arte e pecar na construção dos diálogos depaupera o filme.
Os Funks se originaram nas favelas, comunidades do Rio de Janeiro em 1970, tendo auge nos anos de 1990, ficou popularmente conhecido como Funk Carioca, cujo público alvo era jovens, os encontros aconteciam nos bailes espalhados pelos bairros e com ampla divulgação tanto na rádios quanto nas TVs com apresentações de MCs e DJs, dentre esses a dupla Claudinho e Buchecha.
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