Cobertura: Mostra Sururu de Cinema Alagoano – 1ª dia

Texto: Ceuva. Revisão: Larissa Lisboa

Mergulhar na memória para navegar pelo futuro. Tomada como tema pela 15ª Mostra Sururu de Cinema Alagoano que começou no dia 12 de dezembro, a memória é a âncora que norteia a pluralidade de narrativas gestadas no subjetivo consciente das realizadoras e realizadores presentes este ano. A mostra traz à tona diversos movimentos que fervilham o imaginário e reconstroem trajetórias escondidas, apagadas, degradadas e que em muito foram consideradas tangentes no circuito de afetos e fatos da história alagoana. O que a memória nos reserva? A retomada do que já fomos? Uma leitura dos rastros da experiência pelo tempo? Ancestralidades lidas em corpa? Materialidades fixas no espaço?  

Os olhares que anseiam por respostas devem ficar atentos, a memória enquanto ferramenta no cinema opera pelo detalhe e de fato a curadoria deste ano foi sagaz por capturar as visões que ambientam e amplificam a experiência memória no primeiro tato com a tela. A leitura da carta curatorial explanou o desejo em vasculhar os meandros da cultura alagoana e enaltecer forjas dissidentes e dotadas de ancestralidade, a honra mencionada atravessa o que foi lido e toca a consciência coletiva partilhada por quem nasce em terras alagoanas.

Divida em três sessões, a mostra parece construir uma linearidade amorfa da história. A Sessão Escafandro foi a primeira, trazendo cinco filmes que mergulham juntes no passado pulsante e próximo.

Abrindo com Cine-Guarany, dirigido por Karol Justino, o documentário apresenta os escombros que guardam lembranças do cinema em Rio Largo e mostra um interior que funciona apesar da historicidade marcante do espaço cedido à igreja. A metalinguagem tripla do fazer cinema é simbólica, revela as nuances da paixão que o olhar permeia na reconstrução da experiência, a sensação de vazio é sobreposta aos sorrisos efervescentes, tal qual um antigo cinema lotado para assistir Bang Bang. 

Esculpindo histórias ao projetar em si o reflexo de seus conhecimentos atravessados pela territorialidade que seus pés alcançaram, Cristo Corre Campo de direção de Lara Araújo, mostra através do trabalho do um artesão (Cristiniano Guimarães), e de sua Dama, como a incorporação da cultura remonta o corpo como experiência sócio cultural conectada a natureza e as formas, se ramificando nas múltiplas facetas de cristo. Uma metáfora embriagada de matéria, intenção e reverberações incertas, mas que pede para ser observada enquanto envelhece. 

Olhar o passado se faz necessário no movimento de resistir Apesar das Quebras. Dirigido por Mark Nascimento, o documentário decreta que os percalços inundados de racismo que rodeiam as vivências de terreiro jamais serão suficientes frente a Ancestralidade que reina, rege e gesta afetos, existências e lutas. Há um paralelo entre a Quebra de 12 movido pela liga dos republicanos combatentes e a represália que a milícia hoje insiste em manter. Esboçando uma curiosa semelhança, ao som do Xangô Rezado Alto, Apesar das Quebras atenua o amor e a resistência firmando a atemporalidade do cotidiano dos terreiros em seus ensinamentos e caminhos. 

Procurem aqueles que ainda dançam e cantam. Meworoné, retratos de uma jovem indígena Kariri Xocó que após uma convocação em sonho retorna às suas origens e conversa com seus mais velhos sobre o coração que pulsa e bombeia em essência, a linguagem, a identidade. Como ente imaterial guardada de simbologias vocais a ficção dirigida por Reidison Ruan Tononé toma a importância mais crua e genuína da retomada enquanto afirma, hoje o conhecimento é poder, então ensinem a eles nossa língua. 

Phoenix Club, de direção por Gabriela Araújo, serviu uma família decolonial como último ato da sessão, uma maricona, uma bixinha e uma racha. Os desejos eternos que pouco cabem numa trajetória aparentemente finita esbarram nas trocas chapadas e profundas que eles promovem entre si, nunca foi tão real a escolha nas relações verdadeiras e o espelho de vivências que se completam mesmo diferentes, é da união destas três linhas no tempo e espaço que se constrói memória, plena, concreta, e irredutível.  

Num dia com muitas movimentações refrescantes, a 15ª Mostra Sururu de Cinema Alagoano serviu depravações inquietas de memória, trajadas nas narrativas de um escafandro que não foi usado nessa jornada a mostra inundou a todes logo no primeiro dia. Embebidos num pedaço abrangente do que a cultura alagoana é, ainda faltam duas sessões ao deleite, a Sessão Maré e a Sessão Horizontes. Não sei quais serão as ramificações do que foi plantado neste primeiro momento, mas o mar guarda grandes mistérios e estou inquieta por descobrir quais deles a curadoria guardou pra nós. 

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