Cobertura: Oráculo (dir. Melissa Dullius e Gustavo Jahn)

Texto: Leonardo A. Amorim. Revisão: Larissa Lisboa. Imagem: divulgação.

Em uma entrevista para Canon em 2014, Godard fala sobre como havia som nos filmes, e com o tempo passou a haver “alta fidelidade”, que por sua vez criou a “baixa fidelidade”. Ele passou a vida inteira filmando e ouvindo sem saber que havia tal distinção. Essa questão de referencial e mudança em relação a outro objeto, fenômeno, figura, me foi resgatada ao entrar em contato com Oráculo, filme de Melissa Dullius e Gustavo Jahn, e me gerou as perguntas: o que é uma ponte pro mar? O que é um prédio paras pedras? O que nós somos para o mundo?

O filme é formado por segmentos de corpos transitando, indo de paisagens naturais até o quarto de uma adolescente. Levando em consideração a carreira de curta-metragens da dupla de diretores, como o filme Etérnau, que experimenta com influências do gênero pulp e figuras míticas, Oráculo adota um ritmo mais lento, ainda que a vontade de experimentar esteja presente: na maneira com que dilatam as ações das personagens em gestos repetidos, planos longos, em que essas poucas sequências conseguem se significar e ressignificar a partir da execução prolongada de seus procedimentos.

A aplicação dessa mesma temporalidade em todas as cenas gera uma unidade no filme capaz de mesclar os momentos, seja no início com um longo plano aberto que se utiliza de zooms, ou a movimentação em close que acontece na segunda. A câmera não limita os corpos, ao invés disso atende a eles, a seus movimentos. Já o uso de película confere uma característica temporal marcada, não só por sua matéria física, logo possibilidade de degradação, mas por intensificar o sentimento de um tempo que não é, que o que estamos vendo já foi, na mesma medida que está ocorrendo imediatamente agora.

Oráculo aposta em transes: captura o espectador com um design de som complexo e cheio de camadas para imergir o público nesse mundo de gestos gradativos, de rememorar, de abstrações. É como se os personagens estivessem em busca do tempo do mundo, de um tempo que não podem experimentar plenamente, e os corpos tentam se colocar como referência para a natureza, já que as ondas cobrem um corpo na mesma velocidade que cobrem uma pedra. Oráculo apresenta uma série de visões que preveem o presente, que recriam o passado, debruçam-se sobre o tempo de todas as coisas.

Acho possível pensar o segmento da jovem tocando violão no meio do filme tanto como gênese quanto como um condensado de todo um filme adolescente, um coming of age, uma história de formação. O granulado da película atritando com o agora, os pisca piscas azuis e amarelos, a luz do dia difundindo pela cortina, a performance de uma música de amor que está sendo gravada para ser reproduzida em seguida: uma imagem fermentando o que está por vir. “Eu vou ficar, mas vou pela manhã.” Logo em seguida, o movimento de câmera que parte das pedras sendo atingidas pelo mar e vai até os prédios, da personagem que vai menina e volta mulher, ambas histórias de formação, cada coisa no seu tempo.

O filme de Melissa Dullius e Gustavo Jahn é uma sequência de processos de tribulações, de coming of, chegando a, na flor de. Corpos que se conectam com o tempo do mundo na tentativa de compartilhar o movimento das ondas que continuam indo e vindo, da luz que muda nas nuvens, das pedras que dão lugar aos prédios, que darão lugar a algo que não sabemos. Oráculo nos oferece uma outra maneira de se movimentar e se perceber no mundo: “Sem ter que justificar o tempo que eu sumi, seja o que Deus quiser.”

Acompanhe a 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes on-line pelo site.

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