Cobertura: Sofá (dir. Bruno Safadi)

Texto: Pedro Krull. Revisão: Larissa Lisboa. Imagens: Divulgação.

Aderindo a linha de injetar um fino surrealismo ao cenário das metrópoles brasileiras Sofá (dir. Bruno Safadi, 2019) dialoga com o longa pernambucano Animal Político (dir. Tião, 2016), porém ao contrário de um protagonista bovino com melancolia, Sofá é protagonizado por Joana, Ingrid Guimarães, ex-professora da rede pública de ensino do Rio de Janeiro expulsa de sua casa, com uma maravilhosa dinâmica com o pescador pirata Pharaó, Chay Suede, da Baía de Guanabara.

O filme carioca, filmado em 5 dias com um orçamento mega enxuto, traz uma experimentação estética com intervenções imagéticas, muitas feitas na pós produção, como a mudança brusca de cores, planos postos ao contrário e colagens de fotos dos corpos dos personagens e da cidade, que recordam o trabalho da designer Letícia Lampert. Além de transpor referências a filmes surrealistas tradicionais como A Concha e o Clérigo (dir. Germaine Dulac, 1928), trazendo um plano especialmente lindo de Joana correndo na praia com braços abertos.

A proposta da montagem e flow do filme parece ter saído do livro Cidade Porosa, de Bruno Carvalho: “Rio de Janeiro, metrópole sem um passado de fronteiras étnicas definidas [..] limites frequentemente fluidos entre a ordem e a desordem, o popular e o erudito, o preto e o branco, a paisagem natural e a urbana, o público e o privado, o sagrado e o profano, o centro e a periferia”. Mesmo utilizando recursos de montagem como repetição de planos e dos movimentos da personagem, e ao assumir do vazar da claquete, Sofá não perde o ritmo pulsante que tensiona e distensiona a cidade e a narrativa constantemente.

A tragédia tropical urbana de desocupações é conhecida por todo território brasileiro, não é nova nem isolada, chamo a atenção para a série de matérias da Mídia Caeté sobre o Centro Pesqueiro de Maceió. Todas as etapas de processos de expulsão habitacionais estão presentes no filme desde a falta de diálogo entre instituições e a comunidade até a fragilização que as pessoas desalojadas de suas casas rapidamente passam a viver.

Mas distorcida pela lente do absurdo, a cidade e seus conflitos sociais e comportamentais são esticados até a fronteira do ridículo, esse é o charme de Sofá que anda com segurança na corda bamba da sátira até chegar na reflexividade do drama com o desabamento total das estruturas postas.

Sofá foi exibido no dia 25 de janeiro de 2020 na Mostra A Imaginação como Potência na 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Confira a programação.

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