Com apenas 12 anos, ator alagoano Gabriel Xavier já acumula dois prêmios em festivais nacionais pelo curta Trincheira

Texto: Rafhael Barbosa. Revisão: Nilton Resende. Fotos: Flávia Correia.

Quando Gabriel Xavier nasceu, em 2007, a realidade do cenário audiovisual alagoano era bastante diferente do momento atual. Naquele ano, dois importantes títulos da cinematografia local eram lançados: Calabar, de Hermano Figueiredo, e 1912 – O Quebra de Xangô, de Siloé Amorim, ambos provenientes do programa federal DocTV. Ainda sem qualquer política estadual ou municipal de fomento ao setor, a produção era em sua maioria voltada ao documentário e ao filme experimental, realizações possíveis diante de baixo ou nenhum orçamento.

Outro exemplo da safra de 2007 é Bem Me Quero, videodança dirigida por Glauber Xavier e protagonizada por Valéria Nunes, pai e mãe de Gabriel. Naquela época, seria difícil imaginar que 12 anos depois o cinema feito em Alagoas viveria um desenvolvimento técnico e artístico reconhecido nacionalmente e mostrado fora do país. Uma das provas desse destaque é o curta-metragem Trincheira, de Paulo Silver, filme que já acumula 12 prêmios em festivais pelo Brasil, dois deles destinados à atuação do protagonista mirim.

Nele, Gabriel interpreta um garoto que, num aterro de lixo, observa o imponente muro de um condomínio de luxo. Ele usa sua imaginação para construir um mundo fantástico com os materiais que encontra pelo caminho. Ousado para os parâmetros locais, o universo mágico do filme foi criado pela equipe de direção de arte e pós-produção, com a ajuda de efeitos especiais e centenas de quilos de material reciclável.

Os recursos do IV Prêmio de Incentivo à Produção Audiovisual em Alagoas foram fundamentais para alcançar as pretensões técnicas de uma história como essa.

Além dos prêmios, a atuação de Gabriel vem cativando o público e conquistando elogios nas exibições em festivais.

Equipe do curta Trincheira.

Trincheira estreou em novembro de 2019 no CURTA CINEMA – Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro, um dos principais eventos do gênero do país, e deste então já foi exibido em mostras como a Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2020. Foi ainda eleito o melhor curta-metragem do II Festival Mazzaropi, e saiu consagrado da mostra Criancine no Curta Taquary, em abril, onde recebeu sete distinções: melhor filme, roteiro, direção, direção de arte, som, prêmio da crítica, e melhor ator para Gabriel Xavier.

O troféu de atuação se repetiu no III Festival de Cinema de Rua de Remígio, finalizado no último sábado (16).  A alegria trazida pelas conquistas tem contagiado toda a equipe, inclusive Gabriel e Glauber, pai do protagonista e preparador de elenco do filme.

“Não lembro exatamente como recebi o convite, mas senti um misto de felicidade, vergonha  e timidez”, diz Gabriel sobre o primeiro contato da equipe de produção.

Filho de dois atores, sua veia artística já pulsava antes mesmo da estreia no cinema. “Às vezes, quando assistia alguns filmes, me imaginava sendo o ator principal. Porém não acreditava que isso seria possível”, conta.

Para Glauber, uma das principais missões foi separar o pessoal e o profissional. “Diante do convite para o desafio de preparar uma criança para o filme, já estava por si só diante de algo muito instigante. Ser pai deste novo ator fez o desafio algo muito peculiar, pois esta posição de pai não podia ser completamente esquivada, e uma relação ‘profissional’ precisou ser acrescida durante a preparação e a produção do curta.”

Gabriel com o pai Glauber, a mãe Valéria Nunes, Yara e Francisco seus irmãos.

PREPARAÇÃO

Dirigir uma criança que nunca atuou antes não é uma tarefa simples. O trabalho envolveu todos os cuidados necessários, com a montagem de um cronograma que não atrapalhasse as atividades escolares do garoto, e uma metodologia construída pela equipe de direção e preparação para que Gabriel se sentisse o mais confortável possível durante o processo, dos ensaios ao set de filmagem.

“O primeiro passo foi tentar desarmar o ator estreante diante do medo do desconhecido. Neste sentido, a aproximação de Gabriel com a equipe era algo seminal no processo. Isso não foi difícil de realizar, pois o universo proposto pelo diretor trazia um retorno a própria infância; e Gabriel foi facilmente fisgado pelo interesse em resgatar essa infância do imaginário do diretor e na reconstrução imagética desse menino dentro do roteiro”, explica Glauber.

Junto com o preparador, o diretor Paulo Silver desenvolveu um método de trabalho para aos poucos aproximar Gabriel da história do filme. Ele realizou uma série de tutoriais em vídeo, nos quais construía brinquedos a partir de objetos descartados. A linguagem do videogame, grande hobby do ator, também foi assimilada pelo processo de preparação. O jogo Minecraft se tornou uma das principais referências para as dinâmicas de trabalho durante os ensaios.

“Havia sim um receio em relação ao processo de atuação e na relação entre diretor e ator. Encontrar Gabriel não nos trouxe apenas um ator para o filme, mas a descoberta do processo que deveríamos seguir. Se o processo natural seria aproximar o ator do personagem criado no roteiro, aqui, durante a nossa preparação, percebemos que seria mais sincero e importante fazer o caminho inverso: aproximar nosso personagem da realidade e mentalidade de Gabriel, deixando o ator livre para criar”, diz Paulo.

Além das conversas com a direção, parte do processo de preparação se deu em casa, junto com a família, como relata Glauber:

“Um processo de conversa foi aplicado, num jogo intuitivo de construção do filme em casa, com Gabriel e a ajuda de seu irmão Francisco. Trabalhamos num processo de ação e observação em que ambos recriavam as cenas para minha câmera em pequenas improvisações. Num segundo momento, sempre procurando manter um clima de jogo/desafios e descontração diante do compromisso técnico e de produção, seguimos para os encontros/’ensaios’/preparação com a equipe de direção e as visitas às locações onde Gabriel teve a oportunidade de se deparar com a riqueza dos ambientes, como a oportunidade de poder se aproximar e observar outras crianças em situações semelhantes à de sua personagem”.

Para Gabriel, a cena mais difícil foi também a mais divertida. “Gostei de estar com todas as pessoas que me ajudavam no set. Gostava da comida e das brincadeiras, principalmente quando jogava bola com a equipe. Também foi muito bom poder receber meu irmão durante as filmagens. A maior dificuldade foi a cena final da ‘nave’, porque ficamos até o dia amanhecer para poder concluir, mas também achei que esse foi o dia mais divertido.”

Se ele quer repetir a experiência? “Quero e penso muito nisso. Tô esperando o próximo.”

Trinchera está disponível no site do festival Mazzaropi até o próximo dia 30 de maio. Acesse o link para conhecer a produção.

*Rafhael Barbosa é co-roteirista e assistente de direção do curta-metragem Trincheira

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