Perguntas Larissa Lisboa. Respostas Luciana Oliveira. Foto em destaque: Letícia França.
É realizada em Sergipe desde 2015, a EGBÉ – Mostra de Cinema Negro, que tem como uma das idealizadoras, Luciana Oliveira, cineasta, mestra em cinema e narrativas sociais e produtora audiovisual. Em 2018, o Circuito Penedo de Cinema apresentou um recorte da EGBÉ em sua programação em Penedo.
Larissa Lisboa (que aqui escrevo) conduzida pelo desejo de saber mais sobre a trajetória de Luciana, seu filme O Corpo é meu e sobre a EGBÉ, construiu a entrevista com ela e compartilha conosco.
Larissa Lisboa: Como foi o início da sua relação com o cinema?
Luciana Oliveira: Comecei a estudar cinema em 2009, quando ingressei no curso de audiovisual na Universidade Federal de Sergipe. Entre 2010 e 2012 comecei a fazer alguns cursos mais direcionados em pontos de cultura locais como o NPD/Aju e a Casa Curta-Se, e também no Sesc/Se. Nessas instituições fiz cursos como figurino, documentário, roteiro etc. Em 2012 entrei para equipe do Sercine à convite da organização como assistente de produção, no ano seguinte me tornei coordenadora de mesas e oficinas e entrei para a curadoria. Assumi essa função até 2016. Atualmente continuo na equipe do Sercine, mas estou migrando para outra função.
Ainda na graduação, em 2013, dentro da ONG Cacimba de Cinema e Vídeo comecei a ministrar oficinas de direção de arte, a qual ainda ministro. Em 2014 lancei meu primeiro filme documentário O Corpo é meu, resultado do meu TCC, filme que me deu muito orgulho por ter sido construído por uma equipe majoritariamente feminina, e que segundo os dois colegas homens da equipe que se envolveram na produção, a temática provocou reflexões em ambos. É um filme que conseguimos duas premiações, uma em 2015 com uma menção de Melhor curta militante no Festival de Cine de la Mujer Marialionza na Venezuela e contemplado em 2016 com o Prêmio Antonieta Barros.
O Corpo é meu me levou ao que penso como cinema hoje, um lugar de pôr para fora. Em que podemos trabalhar em coletividade. Em particular gosto de trabalhar com uma equipe feminina. E foi esse filme que me revelou uma mulher negra, que eu não reconhecia, foi a partir daí também que meu foco foi direcionando para o cinema negro e as representações pretas no cinema.
LL: Como foi que surgiu a ideia de realizar o seu primeiro filme “O Corpo é meu”?
LO: Eu pesquisava muito sobre feminismo na graduação, como as mulheres eram representadas na TV principalmente, e depois de quase 3 anos pesquisando defini que meu TCC seria um documentário sobre isso. Questionando mulheres diversas, se elas se identificavam com aquelas representações.
LL: Quais as funções que você já exerceu na área do audiovisual? E quais delas você mais se identifica?
LO: Fui figurinista nos filmes Clandestino de Baruch Blumberg e no Ave Seca de Carol Mendonça, e no VT publicitário Passinho da Casa Própria (Lamparina SE/BA). Roteirista e diretora no O Corpo é meu, e também produzo. Atualmente exerço essas funções na Rolimã Filmes. Gosto de todas as áreas que exerço, mas sinto que minha área de preferência é a direção e tenho tentado experimentar cada vez mais. Tenho trabalhado com Fashion Film, estudado um pouco mais sobre e dirigir alguns clipes de artistas sergipanas.
LL: Como surgiu a EGBÉ – Mostra de Cinema Negro (SE)?
LO: A EGBÉ surge nesse processo de questionar o porquê que em Sergipe não discutimos o Cinema Negro, já que possuímos representantes de peso deste cinema por aqui, como Everlane Moraes e Severo D’Acelino. Então João Brazil e eu decidimos compartilhar essa vontade de criar uma mostra de cinema negro em Sergipe com alguns amigos que já trabalhavam com a gente, juntamos o Cineclube Candeeiro e a Cacimba para lançar a Mostra, e assim abrir uma janela onde fosse possível encontrar filmes de cineastas negros de dentro e fora de Sergipe, e deste modo levantar reflexões sobre as representações pretas no cinema. Assim nasceu a EGBÉ que já tem 4 anos, a cada ano crescemos com os nossos amigos de equipe e suas contribuições. Viramos um coletivo/família que muito me orgulha e me faz continuar acreditando que estamos indo no caminho certo.
LL: Como é feita a gestão da Mostra e quais os desafios?
LO: Todo ano ao final de cada mostra geralmente já estamos gestando a próxima temática (rsrs), ansiosos. Em meados de setembro começamos a desenhar a programação para iniciar a produção. E em outubro abrimos chamada de inscrições. Nossa equipe é grande, vamos nos encontrando, dialogando juntos para trazer novas ideias e experiências para a mostra. Então procuramos também ter uma diversidade dentro da equipe para que possamos alcançar ideias, olhares diferentes e atender ao público da melhor forma.
Os desafios são econômicos. Desde a primeira edição que a mostra é bancada pela equipe, sem financiamento, esse ano decidimos abrir uma campanha no Catarse que nos ajudou bastante e desde já agradeço a todos que contribuíram. A EGBÉ, assim como outros festivais de cinema em Sergipe existem porque os produtores amam cinema e acreditam que devemos continuar, mas a batalha é grande. Infelizmente pouco somos atendidos pela gestão pública, e o setor privado não se sensibiliza tanto com cinema aqui no estado. Porém, temos alguns apoiadores que estão com a gente já há alguns anos apoiando como podem e a eles somos gratos pela troca.
LL: Como você conheceu o Circuito Penedo de Cinema? Como foi fazer parte da curadoria do 12º Festival do Cinema Brasileiro de Penedo?
LO: Conheci a Circuito de perto em 2018 quando o Sérgio nos convidou para ir até Penedo exibir um recorte da EGBÉ no Circuito. Foi muito bacana para nós estreitar esse contato com nossos vizinhos alagoanos. E entender também um pouco do cenário de vocês. Esse ano fui convidada para participar da curadoria da mostra brasileira e recebi o convite com alegria. Poder contribuir na curadoria de outros festivais sempre é uma atividade que vejo como rica e privilegiada, é você poder ver como anda a produção no cenário independentemente brasileiro de cinema e conhecer diversos olhares de norte a sul do país. Tentei contribuir para uma seleção que fosse mais plural.
LL: Como teve início a sua pesquisa sobre cineastas negras?
Depois de O Corpo é meu comecei a pesquisar e entender o cinema negro, buscar os filmes, e principalmente comecei a observar que o cinema negro contemporâneo é um cinema em que a mulher negra vinha protagonizando, isso me chamou a atenção e foi o caminho que quis dar para a minha pesquisa. Eu já pesquisava Autorrepresentação no cinema e casei isso com o cinema dirigido por mulheres negras para investigar no mestrado. Foi um parto lindo.
LL: O que lhe impulsionou a compartilhar o conhecimento sobre a temática da autorrepresentação no cinema brasileiro?
LO: Eu creio que todo o meu processo enquanto cineasta negra que acredita em um cinema que é um lugar de pôr pra fora. E diante da curiosidade sobre tantas narrativas de cineastas negras que estão no cinema apresentando o seu olhar, contando suas narrativas, revelando histórias que o circuito de cinema comercial não apresenta, que não encontrava na TV e, deste modo não me reconhecia. Era um lado do cinema brasileiro que não possuía visibilidade e que ainda batalha por ela.
LL: Como estimular as pessoas a despertarem um olhar crítico sobre questões de raça através do cinema?
LO: Acredito que o trabalho começa dentro. Os profissionais de cinema precisam se questionar porque em sua equipe não há pessoas negras trabalhando, por exemplo. Quantos roteiristas negros estão sendo contratados pelas grandes produtoras e emissoras de publicidade. Esse movimento vai nos trazer uma outra representatividade nas construções narrativas, outras possibilidades de olhares e realidades, em que o público poderá ter acesso.
Para além disso, o nosso movimento enquanto profissionais que trabalham com cinema e educação oferecendo oficinas de audiovisual para adolescentes e professores. Estimulamos o olhar crítico desse público discutindo representações, discutindo o fazer e a responsabilidade de quem constrói imagens, narrativas.
Com o nosso trabalho no Cineclube Candeeiro caminhamos também nessa direção da reflexão sobre os filmes exibidos, sempre trabalhando com filmes fora dos grandes circuitos e levando filmes para exibir em comunidades fora da capital aracajuana principalmente.
LL: O que é a decolonização do olhar cinematográfico?
O cinema também foi atingido pela colonização. Sabemos que no processo de colonização a arte cinematográfica foi utilizada através da etnografia na exploração de países invadidos por essas expedições. O cinema sempre foi uma arte cara e o acesso privilegiado quem deteve foi o homem branco rico. Esse olhar vai refletir nas representações que foram criadas ao longo da história do cinema mundial, então tivemos por diversas vezes o homem branco como herói e índios como vilãs, homem branco como heróis e povos africanos como seres exóticos e ameaçadores, etc.
Assim como a imagem da mulher negra foi extremamente sexualizada, animalizada e estereotipada. Deste modo, descolonizar o olhar é a possibilidade de desconstruir essas imagens através de outros olhares, a possibilidade de ver o mundo através de outro ponto de vista. Através de outras narrativas, e conhecer outras verdades.
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Luciana Oliveira é cineasta, mestra em cinema e narrativas sociais e produtora audiovisual. Co-idealizadora e curadora da EGBE- Mostra de Cinema Negro de Sergipe e sócia na produtora Rolimã Filmes.
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