Crítica: Amor, Plástico e Barulho (dir. Renata Pinheiro)

Texto: Beatriz Vilela. Revisão: Larissa Lisboa e Roseane Monteiro.

Do amor e outros bregas musicais

Amor, Plástico e Barulho (2013) é o primeiro longa-metragem da cineasta pernambucana Renata Pinheiro. Ambientado na periferia de Recife, o filme tem como mote o universo da música brega na periferia nordestina. A partir de um híbrido entre a ficção e o documentário, a narrativa apresenta diversos aspectos da estética brega, que podem ser vistos nos figurinos das personagens, nos ambientes cênicos, nas cores, na luz e na própria tessitura da narrativa, que joga com os limites do sucesso e o drama gerado por ele. O filme se desenrola em diferentes ambientes da cidade, as vilas, os bailes, os mercadinhos, os bares, as praias. Pode-se perceber como pano de fundo os contrastes de uma cidade, que não é a mesma para todos os moradores.

A partir do cotidiano de shows e ensaios da banda de brega Amor com Veneno, que tem como protagonistas Jaque e Shelly, interpretadas por Maeve Jinkings, e Nash Laila, o enredo mostra a relação dessas duas mulheres com a fama. As duas personagens expressam duas formas diferentes de sentir a transitoriedade do sucesso musical. De um lado, vemos Jaque, uma cantora experiente que está frustrada com a carreira musical. Do outro lado, Shelly, uma jovem dançarina, que está disposta a tornar-se uma estrela do mundo brega, como ela mesma diz: “eu nasci pra brilhar, o povo quer me ver”.

A relação entre Jaque e Shelly é ambivalente, uma mistura de admiração, rivalidade, desprezo e solidariedade mútua. Ao mesmo tempo em que elas expressam uma rivalidade, elas também se solidarizam uma com a outra, é como se cada uma estivesse atenta ao conflito pessoal da outra. Jaque é mais experiente, está a todo momento questionando a plasticidade do sucesso e o preço que ela pagou para ocupar essa posição, como ficar distante da sua filha. Enquanto Shelly parece estar encantada com o mundo da música, mas é um encantamento que beira a ingenuidade, ela está disposta a tudo para realizar seu sonho.

Os conflitos pessoais das protagonistas também mobilizam tanto a cena mais dramática como a mais cômica. Como a cena em que Jaque faz uma interpretação da música Chupa que é de Uva, ponto mais dramático do filme. Dos seus marejados olhos, transborda a insatisfação, lhe salgando não só o rosto, mas também o gosto da uva. O ensaio mais parece uma ópera.

Bem diferente do momento mais cômico, cena da apresentação no baile em que Shelly rouba a cena literalmente. Aparece com seus cabelos tingidos de um loiro tipo “Xuxa”, como se quisesse se diferenciar de Jaque, já que ambas são morenas. Nesse momento da apresentação da banda, no ringue-palco, cada uma luta com sua arma. Jaque com sua voz e Shelly com sua dança. Shelly vai até o chão repetidas vezes, sua performance erótica-dançante, combinada com o rosa choque de sua roupa, a ponto de tirar o foco da atuação de Jaque e Dedesso. No entanto, o que era para ser sensual termina engraçado, e o mais envolvente da cena acaba sendo a música cantada por Jaque e Dedesso.

Outros personagens também movimentam o roteiro, como os parceiros amorosos de Jaque e Shelly. Eles começam a trama sem muita importância, mas paulatinamente as paixões vão perdendo o vigor e esses personagens também vão ganhando profundidade, para que, na sequência e de forma pouco surpreendente, haja uma inversão dos casais. Apenas o casal Alan e Shelly ficam em evidência.

Outro elemento que chamou a atenção no fio narrativo foi o trânsito entre a ficção e o documentário. Renata construiu um híbrido entre a atuação de atores dirigidos e as ações supostamente espontâneas de não atores. Um artifício já utilizado em alguns de seus curtas anteriores. Os trechos documentais expandem o olhar sobre a periferia. São corpos comuns, que parecem carregar um estatuto de verdade sobre aquela realidade. As cenas dos bailes bregas e dos programas televisivos, funcionam como um documento do real que evidencia o sucesso da cultura brega no cotidiano da periferia.

Amor, Plástico e Barulho está disponível para visualização on-line.

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