texto: nathalia bezerra. revisão: larissa lisboa. imagem: divulgação
se é memória inventada?
se este filme é um ensaio, parece existir em uma linha muito tênue entre o documentário ou a ficção. por vezes, o questionamento se é memória real ou inventada aparecia e logo se deixava passar. era ouvindo as histórias que não se esqueceram que se dissolve o ímpeto de tentar descobrir o que é documental ou ficcional, que se é possível também traçar ficções até nas nossas próprias histórias.
e ficção não necessariamente é mentira: talvez sejam os traços de invenção necessários para suportar o que é ter um corpo que lembra. corpo que lembra do toque, do cheiro, do gosto, do gozo, do som, do desespero. corpo que sente falta. esse nosso corpo que canta e prepara a casa pro amor que vai chegar. esperar chegar em casa. medo latente. ligações no meio do dia, enterro no dia seguinte. promessas cumpridas. promessas descumpridas. voltar para casa. castelos de areia. viagens repentinas. é passando por lembranças, histórias de família, o pavê de doce de leite, a urgência. pavor de frio. máquinas e tubos. partidas. vontade de quentura. morte. luto. o silêncio do corpo. útero gelado. música. tensão, tesão, nervosismo, angústia.
e amar a angústia ou angustiar-se com o amor talvez seja uma das coisas que passa pelo filme de diversas formas. é como a sensação de achar palitinhos premiados repetidas vezes ou da decoração das cristaleiras iluminadas. esse filme é como uma história que precisa ser sustentada pela oralidade, e ela se sustenta pelo olhar e pelas histórias que vão sendo contadas.
ter um corpo e ter memória é um acontecimento que talvez só se suporte pela invenção. essa que se faz com arte, essa que se faz com escrita, com cinema. essa que se faz contando as histórias de novo, com os pedaços das coisas que a gente lembra ou das que gostaria de esquecer. um quase esquecimento, uma quase lembrança.
a saudade se veste com outras roupas e às vezes passa até nua pela porta.
vi algumas vezes a saudade correndo enquanto assistia.
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