Texto: Chico Torres
Minhas amigas fazem cinema
Minhas amigas fazem cinema. Um cinema que é um olhar para dentro. Cinema confidência, cinema intimidade, cinema segredo. Um cinema que expõe o cotidiano para que algo maior se revele: os sonhos do agora e os sonhos do passado. Maysa Reis e Roseane Monteiro são minhas amigas e fazem um cinema corajoso porque levam câmeras, equipe e parafernálias para dentro de casa, para o seio familiar. Negociam com parentes, prometendo apenas a exposição de suas vidas, nada mais. Mas o cinema seduz e lá estão todas, as avós, mães, irmãs, tias, sobrinhas, crianças, bichos, brinquedos, todas essas mulheres sendo um pouco a extensão de Roseane e Maysa, tudo sendo cinema.
Fico imaginando o processo: pensar na construção de um filme sobre si mesma, ter uma equipe que vai acompanhar essa investigação tortuosa, perder o pudor de dizer “um filme sobre mim, sobre os meus” e de não apenas dirigir, mas atuar. E que maravilhosa a atuação de Maysa com uma de suas avós. Vocês dirão que aquelas lágrimas, que vieram ao ler uma carta, não pode ser atuação, já que se trata de um documentário. E haveria aquele momento, aquela carta nas mãos de Maysa e aquelas lágrimas se não houvesse o filme que ela mesma construiu? Ela chora em uma cena e isso não quer dizer nada sobre a validade de suas emoções. O choro é verdadeiro porque o cinema de Maysa procura justamente pequenas verdades cotidianas. E ela encontra, dando uma nova dimensão àqueles papeis perdidos em alguma gaveta.
E Roseane, caída “longe do pé”, o ser estranho da família, como uma calmaria nascida de dentro da tempestade. Ela olha para os parentes e para si mesma com análise e afeto, como uma sábia que compreende aquilo que muitas vezes é o mais difícil de compreender: as próprias relações familiares. Roseane segue, a despeito de qualquer “loucura”, na perseverança do sonho, palavra tantas vezes repetida ao longo do filme. Sonho da intelectualidade, da vida acadêmica, mas sem perder de vista a autenticidade da vida coletiva, porque a própria vida de Rose ensinou que os capitais intelectuais podem dar muitos benefícios estruturais, mas não são capazes de trazer as experiências necessárias para uma compreensão mais ampla da vida.
As minhas amigas fazem um cinema. Cinema simplicidade, cinema orgânico, cinema alagoano. Suas vidas estão gravadas para sempre no jogo misterioso de sombra e luz. Suas mulheres estão ali, tristes, risonhas, tímidas, esperançosas, mulheres reais e comuns. Então, de tanto olharem para dento de si mesmas, minhas amigas ligam as câmeras, conduzem a equipe e começam a filmar. Elas crescem junto com as suas mulheres, e o tempo passa enquanto olhamos para elas, as minhas amigas que fazem cinema, que eternizam seus amores para que a gente possa, também, saber o que elas sabem.
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