Crítica: Cartuchos de Super Nintendo em Anéis de Saturno (dir. Leon Reis)

Texto: Wibsson Ribeiro. Revisão: Larissa Lisboa e Janderson Felipe.

Magia, técnica e indeterminação

Uma boa leitura do filme dirigido por Leon Reis, Cartuchos de Super Nintendo em Anéis de Saturno (um título que por si só já transmite a estranheza, a saudade de uma tecnologia que teve importância significativa para uma geração, o sentimento de fábula mágica e a indeterminação que acompanham cada cena do filme), poderia começar lembrando que a experiência da diáspora foi um sequestro coletivo, uma atrocidade e uma abdução maior do que qualquer narrativa registrada na ficção científica mundial, e que a vida dos corpos negros extraídos à força da África foi vivida aqui nas Américas como uma experiência dolorosa e insólita.

Essa leitura hipotética concluiria afirmando que, se o neoliberalismo produziu uma gamificação da vida, os negros desde muitos antes da era dos algoritmos já vivem um jogo no modo extremamente difícil, um desafio muito perigoso que deve ser vencido com poucos recursos e atravessando enormes adversidades. Tudo isso é verdadeiro e faz alguma justiça ao propósito do filme, mas se esse texto parasse aqui, também o domesticaria de certo modo, e este é um filme ambicioso e selvagem, que fala conosco justamente através de um chamado à insubordinação por meio das armas da criatividade e das formas ficcionais.

Embora exista uma narrativa linear, que segue a lógica de um Role-Playing Game (RPG) ou um jogo de aventura simples de Super Nintendo, cada cena possui uma forte carga de pedagogia política e poética, reverberando contextos e funcionando isoladamente, valorizando inclusive algumas descontinuidades; como por exemplo a cena que mostra a imagem congelada de um telefone, onde ouvimos apenas as vozes de pais preocupados com o filho que foi atingido e capturado, em dificuldades financeiras, uma cena que ativa em nós o imaginário dos pais de filhos negros que lidam com a dificuldade de custear a educação de seus filhos, ou impotentes diante da captura do filho pelo Estado de alguma forma; em suma, uma imagem e um diálogo de profunda ressonância em vivências negras.

Como escapar do controle absoluto sobre os corpos e o imaginário, a gamificação incessante, as narrativas hegemônicas (Griffith na sala de aula como um museu de imagens eternas de humilhação e controle)? Por meio do jogo, por dentro do game, assumindo o controle, construindo contrarrelatos, pela tecnologia que não é oposta à natureza, mas também parte dela, que é magia, portanto; resumindo, pela inventividade da ficção que não possui barreiras imaginativas. Toda imagem aqui berra um viva à ficção, é um grito para fora de um camburão sem paredes e um mergulho afirmativo pra dentro do sonho, como uma forma de se penetrar ainda mais fundo no real.

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