Texto: Samuel Melo. Revisão: Fabio Cassiano.
Vestígios de um tempo que resiste ao esquecimento. Rememorações de um passado que sobrevive na lembrança daqueles que dele fizeram parte. Uma narrativa tecida com os fios da memória. É nessa busca pelo tempo perdido, pelos caminhos da lembrança que o filme Cine Guarany, de Karol Justino, parece querer conduzir o espectador.
Entre as barracas de uma feira livre Karol caminha. Sua aparição se confunde com a representação de mercadorias, com outras pessoas, outras vozes. Pouco a pouco, o curta vai descortinando a imagem de uma cidade onde quase tudo ao redor parece intacto, intocado. Quase tudo.
É nesse cenário que o Cine-Guarany, ou melhor, o que ele foi, é-nos apresentado. Desfigurado pela decadência de suas paredes, pela ausência dos lugares que no passado costumavam abrigar centenas de pessoas, as quais eram surpreendidas pelo espetáculo das imagens projetadas em sua grande tela, perdendo-se em outras histórias, confundindo-se com outros rostos e imergindo em outras vidas. Agora, o cinema mal pode ser reconhecido.
O filme não opta por explicitar respostas acerca do declínio de nosso personagem, não busca soluções ilustrativas a respeito das causas do referido declínio. As escolhas estéticas sugerem que é preciso ater-se aos detalhes, às sutilezas. Descaso? Abandono? São possibilidades de respostas que se apresentam durante o curta.
Os relatos daqueles que em sua juventude frequentavam o Cine-Guarany funcionam como uma espécie de evocação das lembranças de uma época onde a existência do cinema se constituía não apenas enquanto um mundo atravessado pelo onírico, mas também num espaço dos encontros. Num dado momento, enquanto os depoimentos se sucedem, a câmera capta imagens de rostos cujas expressões parecem oscilar entre o encanto e o assombro, entre a saudade e o pesar.
Cine-Guarany, portanto, não discute apenas a importância da preservação do passado, a necessidade de não o deixar cair no esquecimento, mas também da arte, e sobretudo do cinema enquanto possibilidade de transcrição da vida, conferindo a ela uma dimensão mágica.
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