Crítica: Como ficamos da mesma altura (dir. Laís Araújo)

Texto: Mariana Lira. Revisão: Larissa Lisboa

Não se trata de mais uma filha, não se trata de mais um pai

Nenhum pai quer que sua filha fume. Nem quer que ela fique sem tomar banho. E também não quer que ela não interaja, saia, aproveite a vida. Mas isso pressupõe que ela cresça, se torne adulta, que faça suas escolhas, e, no-fundo-no-fundo (nem tão fundo assim), os pais também não querem que as filhas cresçam. Eis a antagônica realidade da paternidade.

Uma filha nunca quer seguir o que o pai acha que é melhor pra ela. Nem obedecer às regras. Nem compreender que os pais têm vidas independentes da vida familiar e menos ainda dá-los a liberdade para vivê-la, como costuma reivindicar viver a sua. Eis então a também antagônica realidade da paternidade.

É nesse cenário que o espectador conhece a relação de pai e filha em Como ficamos da mesma altura, curta-metragem de Laís Araújo. Os dois estão colocados em uma situação atípica, pouco comum a eles: passam alguns dias, juntos, numa cidade do interior, para onde há algum tempo não iam, por conta do aniversário da morte de um tio.

Pode parecer nada demais, mas o simples fato de estarem nessa situação coloca os dois personagens principais em um confronto gerado simplesmente por quem são e pelas diferenças e semelhanças que têm. Os diálogos mostram bem isso. O pai não aceita as escolhas de sua filha, e ela menos ainda as dele. Mas eles não desistem um do outro. O jantar que ela prepara, a insistência dele em tira-la de casa, o cuidado com a higiene dela, o ciúmes que ela sente dele. Cenas daqueles dias que mostram os momentos pontuais em que os dois estão juntos, sempre em casa, sempre discordando (ora levemente, até de forma descontraída, ora mais agressivos, mais discordantes mesmo), mas sempre se cuidando.

O luto do pai não foi esquecido pela filha: ela o acompanhou na viagem à cidade para apoiá-lo. E ele reconhece o seu esforço. As cenas (filmadas em takes parados, em sua maioria) chamam a atenção para isso, para o que deve ser colocado à atenção naquela relação que nada tem de incomum, quando se trata de pai e filha, mas se mostra incomum e singular, profunda e tocante, pela forma como foi construída no filme.

A cidade, a partir de certa parte do filme, também acaba se tornando um personagem, quando quem assiste acaba descobrindo que a relação dos personagens com ela também não é fácil: ele tem o luto, ela tem o tédio. Ele sai, foge da sua própria companhia e da lembrança da morte recente do parente. Ela “navega”, se entrega à vida digital procurando ocupar o tempo, interagir, encontrar a quem conheça, quem a conheça, encontrar a si mesma. Um caminho oposto ao outro. Mas o foco é nela. Na casa, nos momentos deles, mas principalmente nela.

O exílio em casa, pela insatisfação de estar ali, é quebrado quando ela molha o celular, durante o banho, e perde o refúgio digital. Ela encontra, então, outras personagens, interage um pouco, conversando, e enfim entendemos (ela e nós, espectadores) que sua ida ali foi generosa e é muito apreciada pelo pai.

A fala de todos é marcada pelo acento e sotaque locais, mas sem caricaturas. Isso denota um humor sutil ao filme, que estão presentes desde os diálogos íntimos entre pai e filha. Mas não menos sutil que o tom de melancolia que o marca e é acentuado na última cena, em que os dois personagens se encontram muito mais desnudos.

O banho, o celular molhado, o passeio pela cidade, o cruzamento das falas e enfim o encontro deles dois, fora de casa, mudos, destoantes, desencontrados. Os conflitos não se resolvem, as ideias não se encontram. Mas aquele cuidado (talvez amor, talvez muito mais amor do que possamos ver) está ali, acuado (como sempre é na relação deles), mas latente e vivo (como sempre é nas relações de pai e filha).

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