Crítica: Cultura Ballroom: A Arte da Resistência (dir. Glendha Melissa)

Texto: Céuva. Revisão: Larissa Lisboa.

Coluna Críticas Transcinematográficas

Então né, quem treina vence.

Na passarela do movimento ballroom alagoano as corporalidades são exposições plurais das milhares de possibilidades de criação, interpretação e existência. Rompendo paradigmas cisnormativos, corpas travestis ocupam a cena e performam o voguing de quem é treinada para sobreviver à lógica de poder que marginaliza nossos corpos. Os troféus, à esquerda do espectador, representam a narrativa de luta que se constrói como coletividade, e passam adiante a mensagem de que não haverá desistentes, enquanto tivermos espaços para ocupar e acessos para criar.

A primeira House alagoana composta exclusivamente de mulheres trans e travestis, pretas, periféricas e acadêmicas, ambienta o enredo do documentário Cultura Ballroom: A Arte da Resistência, dirigido, roteirizado e produzido sob um olhar travesti, o de Glendha Melissa. A união de corpas potentes levanta pautas importantíssimas sobre como através, e amparadas na Arte Ballroom elas produzem travestilidades, e juntas, a resistência de ser um corpo político num país que desvaloriza e descredibiliza a existência de pessoas trans.  Enfatizando que, enquanto coletivo, compartilhar experiências e trans-afetos é uma das ferramentas de manutenção e fortalecimento que a comunidade precisa. Nerfetiti Doll, mother da House of Dolls, Diana Doll e Anastácia Doll estrelam o curta performático introduzindo os espectadores à sua família enquanto salientam sua presença no mundo em desfile . A noite guarda todas, e Deyse as abençoa no seu manto de constelações.

Ao fundo, Urias compartilha seu corre, e Diana, na runway ¹, segura um guarda-chuva com lágrimas de sangue. Não mais caladas, as gatas fazem seu palco na Ball, e compartilham seu empenho em construir espaços de resistência sustentados também pela arte, transcentrando, transformando e transmutando as relações, os corpos e as noções de toda uma sociedade que atenta observa o futuro.

A trajetória de mulheridades, seus desafios, suas histórias e sua irmandade enlaçam a cada cena o orgulho de tantas, alagoanas ou não, que se inspiram e se veem representadas nas grandes telas. Levantando críticas ao aparelho político formal que socializa os indivíduos em ódio, aqui elas treinam não só o olhar, bem como a consciência de quem assiste, a uma nova realidade e esperança que reconfigura o CIStema e atenua fervorosamente as vozes que precisam ser ouvidas, consideradas e respeitadas. Nós somos o futuro. E como já diria as Irmãs de Pau em Femme Queen: se não aguenta não entra na Ball, é festa de travesti preta, respeita e abre a roda pra House of Dolls.

Notas:

¹ referencia uma categoria da Ballroom.

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