Crítica: Entrerio (dir. Larissa Lisboa)

Texto: Leonardo Hutamárty. Revisão: Larissa Lisboa

Em Entrerio (Dir. Larissa Lisboa, 2017), a diretora faz um close-up sobre as águas, de trecho raso, do Rio São Francisco, como quem deseja aludir, com o vídeo, às célebres pinturas impressionistas — vide Claude Monet, Pierre Auguste Renoir e Berthe Morisot (em estética, ângulo e nas tonalidades de cores do reflexo do sol; de pixels em contornos nítidos, luminosos e multicoloridos). O plano fechado registra os reflexos do sol sobre as águas onduladas. Como espelho fragmentado, essas águas refletem formas reversas e abstratas. 

Em seguida, ouvimos os depoimentos de Fabbio Cassiano, Rose Monteiro e da própria Larissa Lisboa. Tais depoimentos — a respeito da primeira experiência tida com o Rio São Francisco, e do significado de se registrar reflexos (dado que, para muitos, pode parecer algo banal) —, rompem com o caráter hipnótico e contemplativo da decupagem, em proveito de suscitar pensamentos ao fato dos reflexos oferecerem uma perspectiva disforme (de resistência) da realidade. É, precisamente, ao passo que depõem, isto é, quando as memórias são relatadas, que suas imagens (de Rose e Fabbio) se fundem com o plano do leito do Rio e da “dança” ondulatória das águas.

O trabalho experimental com fusões, com a sobreposição de imagens dos depoentes e das águas, e de sons de ambiências (de captura direta e de baixa qualidade), determina a lógica da qual o filme se desdobra; ou seja, a do conceito de fluxo, de movimento contínuo, que persiste em duração, como o fluxo da corrente do Velho Chico. A partir da captura crua de reflexos do leito do Rio, reflexos que, na simbologia, representam a iluminação, a realidade aparente ou a sua perenidade; a decupagem faz um fluxo com fusões sobre a plasticidade (de planos fechados, longos e centrados) de movimentos aleatórios, hipnóticos e nauseantes das águas onduladas.

Enquanto essa plasticidade das águas trabalha em prol de uma experiência sensorial; uma dança é sugerida pela decupagem — tal como em Cidade Líquida (dir. Laís Araújo, 2015) —, além da construção composicional, num diálogo com o movimento fluido e contínuo das águas do São Francisco. Na constituição formal, a dança emerge como um estímulo visual, expressa por meio das características estéticas abstratas, e da simbologia associadas às imagens do Rio (da água como elemento químico legítimo da transformação). Na esfera do conteúdo, a dança é a coreografia natural das águas, onde os reflexos do sol operam como pontos de luz e cores, num espetáculo contínuo. 

Essas escolhas visuais, que criam a dança abstrata (na ondulação do Rio), também estão ligadas à esfera temática do filme, e à sua abordagem experimental. O Velho Chico é retratado como um fluxo ininterrupto, uma correnteza que evoca movimentos incessantes, numa mutabilidade impregnada de beleza. Ao capturar os reflexos do sol sobre as águas onduladas do Rio, Larissa visa criar uma sinergia entre a estética impressionista — na busca pela luz do corpo aquático e pelo movimento, na captação do momento, e na luminosidade colorida das sombras —, a ideia de fluxo e a sensação hipnótica das águas em movimento. 

Entrerio emprega mais a linguagem visual do que a audiovisual para criar uma experiência sensorial onde a dança é uma expressão do movimento da natureza, sobretudo, das águas do Rio São Francisco. Essa abordagem cria elo entre o ser humano, o ambiente e certa beleza efêmera, que reside na interação de tais elementos.

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