Crítica: Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar (dir. Marcelo Gomes)

O cinema é, primordialmente, uma maneira de adentrarmos em realidades distintas das nossas. Espiar a vida alheia, viver o que não nos é cabível. Para o grande público, fortes emoções são as mais cobiçadas – o drama, o suspense, a ação, o mistério. Porém, sempre há um nicho mais alternativo, que percebe na vivência de um mundo prosaico e diferente do seu um entretenimento sólido e enriquecedor. É por aí que estamos conversando com Estou me guardando para quando o carnaval chegar.

O filme é de caráter documental, uma produção pequena e singela, mas com uma proposta bastante interessante. Trata-se do cotidiano do mundo trabalhista de Toritama (Pernambuco), cidade conhecida como a capital do jeans brasileiro. Responsável por cerca de 20% da produção nacional desse tipo de vestuário, Toritama respira no ritmo das máquinas de costura, tem seus dias inaugurados com a abertura das chamadas facções (espécie de fábrica no fundo do quintal, onde os moradores locais se organizam em uma logística própria de produção), e encerrados com o término de suas atividades.

Apesar de não se tratar de um exemplo de grande orçamento, o que pode ser percebido por sua fotografia majoritariamente de câmera na mão, e simplicidade na montagem e edição sonora, o longa é válido de ser assistido, devido à sua abordagem e temática. Um grande filme não se faz de milhares e milhares de reais, e sim de boas ideias e execuções polidas. Aqui, temos um narrador-personagem (que de maneira simples, pode-se definir como alguém que conta história tendo um quê de participação na mesma) e um entrevistador que quase se confundem com o próprio povo pernambucano.

Como alagoana que sou, posso entender a importância dessa aproximação entre quem filma e quem é filmado. Não há uma grande diferença de sotaque, não há prepotência e nem uma invasão agressiva a quem se é documentado. O entrevistador parte de perguntas práticas como “fale sobre a rotina de trabalho” até questões mais lúdicas “qual o seu maior sonho?”, sendo  gratificante de se ouvir as respostas. Trata-se de um povo agradecido, que reconhece a sorte de ter um trabalho que lhes provém o sustento, além de poderem moldar sua carga horária sem estar a serviço de um superior (como já foi citado, a maioria confecciona em suas próprias casas).

Portanto, Estou me guardando para quando o carnaval chegar é, ao mesmo tempo, um convite a entender melhor uma das regiões mais economicamente ativas do país, juntamente a vida de seus habitantes e suas filosofias, e uma reflexão a respeito de como somos privilegiados por ter um acesso tão facilitado aos bens de consumo (uma vez que, por exemplo,  para os habitantes de Toritama, ter um lazer qualquer significa viajar para outra cidade).

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