Texto: Denis Angola. Revisão: Larissa Lisboa
“ESTRANHE” (Performance apresentada durante o Festal, Festival de Artes Cênicas de Alagoas, 2021.)
A rua, o centro que me estranha, que estranha ume Deuse com um Jesus na rua em uma parede qualquer. Será que nos reconhecemos? Me perguntei assistindo o que vou chamar de videoperformance.
Em alguns momentos eu olhei e não reconheci, me questionei se quem eu estava olhando era um homem ou uma mulher.
E me dei conta que estava olhando errado, com um olhar limitado e foi estranho estar naquele lugar, porque eu sempre vi a performance descomprometido com o discurso, além de reconhecer na performance enquanto produto cênico um lugar construído por pessoas brancas, com conceitos quase indecifráveis que só eles, os brancos, decodificavam, um lugar colonizador e embranquecido.
“Estranhe” me propõe algo, mudar de posição. Eu me perguntei e o discurso? O mundo não é mais entre eu e você, homem e mulher, faz tempo que não é mais sobre macho e fêmea, o mundo é para todes.
“As minhas dobras falam sobre mim” é sobre isso! Me falou ê artiste e performance Ayò Ribeiro ao dialogar comigo sobre seu corpo, suas lutas e suas conquistas, falar do seu lugar de construção de identidade ou identidades.
Eu já havia visto outras performances, mas essa experiência de videoperformance tem suas peculiaridades, uma delas é que eu posso pausar, repetir e ver quantas vezes for necessária, isso muda muito para quem assiste, pelo menos para mim mudou.
Em alguns momentos dei pausa no vídeo e fiz alguns reflexões sobre como eu conheci a performance e o porque eu não consegui entender o que ume performer estava querendo falar para mim. Sei que estou sendo pretensioso com essa fala, mas sei que não é apenas sobre mim.
Então, lembro de alguns artistas e amigos também, o primeiro foi Jorge Schutze, um mestre da dança, foi ele quem me apresentou a ideia de performance, algo que eu gostava de ver, mas nem sempre compreendia, contudo me lembro do último trabalho dele que foi “Despacho”, seguido de outros artistas alagoanos como Charlene Saad que também acompanhei todo o processo da performance “Rótulo”, uma outra artista foi Mary Vaz com ” Instantâneo e integral” e por último Allexandrëa Constantino com “Sujeito do Gozo” que por sua vez é uma trilogia do sujeito.
Todas estas performances eu vi pessoalmente e sempre que eu estava vendo eu me perguntava, o que eles querem dizer? Quase sempre eu não encontrei respostas.
Voltando para o videoperformance, eu continuei e aos poucos fui retirando as camadas que “Estranhe” proporcionou a mim.
Uma delas é a música “Lama” de Naty Barros e Mary Alves, duas mulheres pretas alagoanas, que trás em um trecho da música “amor preto cura”, uma escolha interessante para uma performance, trazendo consigo algo muito objetivo, sem rodeios e elocubrações, é isso.
Outra camada é o depoimento, vamos falar sobre a vida de uma pessoa trans, e todos os gêneros, então eu gosto dessa intervenção que atravessa o centro, neste caso a cidade e seus corpos e corpas.
“Estranhe” não apenas me fez refletir sobre o corpo gordo, com suas dobras expostas e o estranhamento social que ele causa, mas também me fez tentar dilatar o tempo, ou me sugeriu dilatar o tempo para rever meu lugar de quem assiste um videoperformance.
Para além dessas observações tem dois fatos que contribuem com essa tentativa de dilatação do tempo, uma é o elemento da máscara, que me fez questionar que gênero era ê artiste Ayò Ribeiro, como também um marco temporal da pandemia, ou seja estamos em 2021, estamos em um Estado pandêmico.
O outro é na última cena, que salta aos olhos, quando Ayò faz um trajeto entre a Praça dos Martírios no centro de Maceió até a secretaria de Cultura do Estado de Alagoas e ao se aproximar das escadarias um funcionário fecha a porta para aquele corpo estranho não entrar.
Então é sobre isso também, é sobre um Estado que olha para corpos negros, gordos e LGBTQIA+ como corpos que não serão aceitos neste lugar.
Fica evidente que uma casa de cultura que deveria está produzindo rompimentos de paradigmas sociais não aceita todos os corpos.
“Estranhe” me fez rever este lugar e para mim é uma proposta de alerta, manter-se alerta com estas estruturas, com meu próprio olhar e com um outro lugar do corpo, das corpas e da arte.
Esta é uma critica frágil, sou um homem negro, heterossexual então não conseguiria expor outros olhares, mas me coloco no lugar de aprender com novas formas de conceber a arte.
Denis Angola
28 de Novembro de 2021.
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