O filme trata dos relatos de vida de Julia, uma mulher trans, paulista, que assim como a maioria das pessoas que não se identificam com seu sexo de nascença passou por dificuldades na vida inimagináveis para a sociedade. Durante os primeiros instantes nos é passada a sensação de que se trata de uma ficção. Estaria Julia numa sessão de terapia, ou até mesmo conversando com uma amigo?
Nesse sentindo, a linguagem do filme brinca com o espectador, mostrando-se até fragmentos do “making-off” em plena produção. Com uma fotografia marcada, majoritariamente, por uma intensa profundidade de campo, ou seja, a lente foca de maneira muito nítida na figura entrevistada, deixando o fundo quase que completamente desfocado, o documentário possuí uma montagem descontraída e que não se detêm aos padrões comerciais.
Planos muito longos são acompanhados por diversos superzooms, compondo planos-detalhe que acompanham a fala de uma mulher, que por sua vez, não poderia ser mais cortante. Julia percorre diversos assuntos, e não tem medo de se expor. Por mais pesados que sejam seus relatos, que vão desde o abuso sexual sofrido na infância, o trauma psicológico que a impediu de concluir o ensino fundamental e as crueldades sofridas pelo fato de ser trans, sua fala é cercada de risos, brincadeiras e de uma leveza rara.
Leveza essa, por sua vez, muito bem justificada. A mulher conta como foi salva pela arte, durante seu período de completo isolamento – o cinema a reergueu e salvou de um estado depressivo e até mesmo suicida. Assim, conhecemos um pouco dessa figura complexa e interessante, que não se vitimiza, apesar de ter vários motivos para.
Lembro mais dos corvos é um documentário que trata de assuntos sérios e necessários, mas de maneira digerível e expressiva ternura em seus momentos finais. Altamente recomendado para uma reflexão acerca de como é fundamental lutar pela igualdade de direitos e fim do preconceito de gênero – ou de qualquer outro tipo.
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