Crítica: Lugar Comum (dir. Pedro Krull)

Texto: Estevão dos Anjos. Revisão: Larissa Lisboa.

O não lugar-comum em Lugar Comum

Espaços pelos quais passamos todos os dias e que fazem parte de nossa rotina muitas vezes tornam-se invisíveis aos nossos olhos; outras muitas, ignoramos pequenas alterações em prédios, fachadas, tal a falta de hábito que temos em observar os detalhes, os sons, os cheiros daquilo que nos rodeia. De tanto vê-los, não os enxergamos.

No capítulo inicial de Ninho de cobras, Lêdo Ivo, ao descrever os movimentos da raposa em direção à parte baixa da capital, além da estrutura desses lugares, o narrador traz à tona os cheiros e sons desses espaços, chamando-nos a atenção para a cidade e suas nuances.

O curta Lugar Comum, dirigido por Pedro Krull, traz a mesma proposta de aguçar a percepção para nossos espaços, porém faz isso de forma diferente, levando a alguns locais que nos são familiares outros sons, outros gestos e, principalmente, outros corpos. Para isso, conta com a participação do Centro de Pesquisas Cênicas (Cepec), grupo teatral alagoano que realiza as performances nessa videodança.

Dessa forma, ao nos depararmos com um músico negro tocando saxofone em pleno Centro, ou com dançarinos realizando performances ao som dessa música em pontos de ônibus e ruas escuras, além de ressignificar esses lugares, as cenas quebram nosso olhar já tão desgastado, fazendo-nos ver de outra maneira esses cenários.

Além disso, as pessoas que ocupam esses espaços dão à narrativa um tom político: é o negro que sai da margem e ocupa o Centro; a mulher que sai livremente à noite; é aquele que é visto como diferente ou estranho ocupando lugares que também são seus, também lhes são comuns; tudo entrelaçado por uma música/som que não é a da cidade, pois sobrepõe-se ao trânsito para dar passagem a corpos e expressões que são silenciadas, questionando o sentido de “comum” desses lugares.

Tal reflexão pode ser estendida também ao papel da arte – aqui, em especial, o cinema, a dança e o teatro –, principalmente quando pensamos no atual contexto, de censura e retaliações à classe artística. O compositor Sérgio Sampaio diz em uma de suas músicas que “lugar de poesia é na calçada”, e Pedro Krull confere esse status também a outras expressões, livre de amarras e proibições, colocando todo o bloco na rua.

Apesar de ter apenas dois minutos de duração, Lugar Comum traz um discurso político atual e muito forte em sua narrativa, sem soar apelativo ou facilitador para o público, não caindo no lugar-comum de explicar e deixar tudo pronto para quem o assiste, o que só amplia sua força, permitindo novos olhares ou “simplesmente” sua contemplação. Além de ser um convite a contemplarmos o banal com outros olhos.

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