Texto: Arthur Rostan Jean-Paul Haug. Revisão: Tati Magalhães
A arte da rememoração
Em tempos de festival, ascende a obra na qual, a partir do manejo de sua forma, a singularidade sobrepuja a dos outros participantes. Não que a excelência esteja intrínseca a tal primícia, mas, nesse viés, Meworoné propõe- se a um interessantíssimo exercício cinematográfico.
Apresentando as tradições Kariri Xocó, bem como, por meio disso, preservando suas raízes culturais, o realizador (Reidison Ruan Tononé) utiliza-se da montagem como artifício enaltecedor das problemáticas abordadas, as quais, nessa narrativa de ‘ficção’, discorrem sobre a perda identitária desse povo. Isto é, na medida em que o diálogo é feito na língua original Kariri, cada oração (ou fragmento
gramatical) pertence exclusivamente ao plano/imagem no qual foi proferida, assim resultando em uma constante de cortes fidedignos a tal estrutura/gramática. Consequentemente, com tal “conflito estético”, fomenta-se uma sensação de estranhamento, a qual, justamente, reproduz e conduz a defesa de Meworoné.
Pois se o processo de preservação identitária compõe-se por rememoração, a inscrição do estranhamento torna-se, com base em seu arraigamento, um novo momento de reflexão presente na construção do raciocínio do espectador, ou seja, a busca pela compreensão desse “conflito” é, também, um reencontro às problemáticas (conteúdo) do curta, assim potencializando a sua memória naquele que o experienciou – em um simples processo dialético. Posto em um contexto de festival, ao distingui-la das demais, esse advento propulsiona o reconhecimento da obra, estabelecendo-a em nosso inconsciente e, sobretudo, clamando por uma revisita. Afinal, em matéria de rememoração, não há escolha melhor que a criação dessa espécie de memória-chave em nosso ideário.
Não obstante, tal conspecção aproveita-se de sua narrativa ficcional para elevar tal manejo (ou essa metalinguagem) ao quadrado, o que retifica sua “mensagem pela forma” e, também, prova que uma obra de ficção possui tanta aplicabilidade política/histórica (dadas as devidas proporções) quanto o formato de documentário propriamente dito. Claro, caso ainda convenha admiti-la como uma mera obra ficcional!
Portanto, apesar de suas limitações técnicas, Mewonoré apresenta-se como um pequeno agrado cinematográfico e, sobretudo, histórico-cultural, o que, além de acalentar o leito artístico, aflorou, no mínimo, minha curiosidade e afinidade à temática; prova de sua primazia. Afinal, clamando por uma revisita a esse imbróglio, Meworoné busca ensinar-nos a falar e refletir corretamente – tanto historicamente quanto cinematograficamente.
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