Crítica: Nas Quebradas do Boi (dir. Igor Machado)

Texto: Marcio Ferreira da Silva. Revisão: Larissa Lisboa

Reginaldo vai ao cinema

O filme de Igor Machado, Nas quebradas do boi, pode ser tudo menos pretensioso. A figura do Boi Gavião e seu organizador parece num primeiro plano ser a magia artística para o curta, afinal o título já nos remete a isso e o espectador ao lê-lo enfrenta a imagem icônica do boi no inconsciente coletivo, em que as cenas vão do encontro à preparação; da confecção ao ensaio final pelas ruas do bairro mais expurgado, talvez, da capital alagoana, entre o Poço e o Farol.

Ao que parece o bairro alagoano é a própria gênese do Bumba meu boi, expressão cultural do Norte e do Nordeste do Brasil. Tomemos, por exemplo, o caso do Maranhão e a Festa do boi em Parintins, no Amazonas.

Entretanto, Machado quer pouco saber das histórias de boi na cultura brasileira, mas se chafundar nos becos e ruas lamacentas do solitário Reginaldo. Para quem não conhece, Vale do Reginaldo, ou só Reginaldo, é cortado pelo corpo da serpente, o Salgadinho, e está fincado em uma área que corresponderia ao bairro do Poço, talvez seu começo, e os morros que desembocam no Farol, bairro aristocrático e de classe média alta.

O bairro e boi têm uma particularidade. Estavam mortos. A equipe de cineasta resolve ressuscitá-lo. Bem, o boi foi, o bairro não!

No filme, Machado desinvisibiliza o Reginaldo a partir da proposta primeira de caminhar com o boi pelas ruas do bairro. Na câmara dele, os espaços ganham lentes poéticas, como as imagens do alto das casas que surgem como um desfile de tetos desiguais, como é todo o lugar.

Ao se avorar do boi, o cineasta aguça a lente e apazigua os habitantes e os espaços. O bairro parece rir. Não só se rir de si mesmo ou rir de nós. Ou não sabemos por que estamos rindo. As vielas, as ruas largas à beira da serpente dão a dimensão do bairro, mas tudo, tudo mesmo, parece fora de lugar, desencaixado, buscando formar a identidade cultural de um Reginaldo tão solitário.

Nessa contramão, há com fartura os tons musicais do Hip-hop ou do Funk, ou mesmo da letra recém criada para a saída do Boi Gavião. Tudo musicalizado, potencializado, mas Reginaldo só expia e vê na passagem da cobra, nos meninos de pés no chão, sem escolas e sem dentes, o chão carcomido que lhe pisam.

Hoje Reginaldo foi ao cinema. E o boi? Bem, o boi está lá descansando no barracão de teto de zinco. O boi sabe que em breve ele descerá para a Pça. Multieventos para os confrontos do carnaval e ficará feliz com isso.

Reginaldo ficará no mesmo lugar, sozinho e ao mesmo tempo acompanhado de sua gente sozinha e triste. Ah, mas há quem diga que na lente de Machado está gravado todo aberto coração do bairro com suas quebradas e a sensação de existência em um espaço de tanta exclusão!

Só para não dizer que nada disse sobre o filme, posso afirmar que é um documentário!

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