Texto: Estevão dos Anjos. Revisão: Tatiana Magalhães.
Um senhor tão bonito
Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo
Oração ao tempo, Caetano Veloso
Assistir a O Branco da Raiz é mergulhar em um filme no qual o tempo está sempre em evidência, e lidar com o tempo é pensar em mudanças, transformações e fins. O curta dirigido por Anderson Barbosa é também uma forma de termos contato com um modo diferente de viver e encarar a vida, algo que se contrapõe à velocidade contemporânea, a uma lógica que se impõe e que torna tudo perecível e obsoleto em poucos dias.
Assim, ao fazer uso do preto e branco e de uma narrativa lenta, que não tem pressa em acompanhar a rotina de uma família que vive do cultivo da mandioca e da fabricação artesanal de sua farinha, o filme nos remete a uma prática e a um tempo em extinção, a lentidão das coisas e as cores nos inserem em outra época.
Diante disso, a fala do pai da família sobre o medo que tem de que essa tradição morra se refere não apenas ao modo de fazer a farinha, mas a valores que vão desde o respeito com o que é colocado à mesa até o trato com a natureza, entendendo seu funcionamento, sua forma de ser.
Antes de escrever este texto, me perguntei se a producão esperou o período para o colhimento das raízes que vemos Seu Tuta, o pai da família, plantar no início do filme, e estava certo de que o salto temporal havia sido apenas um recurso narrativo. Porém, após o debate com os realizadores, ficamos sabendo que de fato houve esse período de espera. Tal opção dá ao filme um tom ainda mais poético e respeitoso, pois o modo de construí-lo incorporou o modo de viver de seus personagens, além de ir de encontro ao espírito da época de que é fruto: a contemporaneidade e sua reverência à pressa e à velocidade.
Alguns livros, como o Deserto dos tártaros, do italiano Dino Buzzati, têm o poder de, ao abordar o tempo, em especial a lentidão e a espera, nos tirar da zona de conforto, pois despertam em nós aquilo que mais temos de frágil, a certeza de que morreremos. Além disso, e aqui incluo o filme A ghost story, dirigido por David Lowery, essas obras nos abrem os olhos para nossa própria época, que louva a velocidade, o instantâneo, a produção frenética, e ler, assistir e contemplar algo assim é sentir de volta um pouco de nossa humanidade.
Arrisco-me a inserir O Branco da Raiz nesse rol, por sua universalidade, por sua potência poética e pela força com que nos tira do eixo, porém, a atribuição desse status ao filme não cabe a mim, e sim àquele de que falo a todo instante neste texto: o tempo.
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