Texto: Jasmelino de Paiva. Revisão: Larissa Lisboa.
Os Galos e Seus Donos.
Sem sombra de dúvidas, o ano de 2018 no Brasil entrou para sua história. Jair Messias Bolsonaro conseguiu eleger-se presidente da república, ancorado em um discurso escancaradamente opressor e de extrema direita, apoiado principalmente pelo fundamentalismo religioso, pela indústria armamentista e o agronegócio, tendo como base econômica uma agenda neoliberal com todas as suas mazelas. Evidentemente que em contrapartida à essa proposta de governo fundada em uma narrativa revisionista e autoritária, surgiu uma oposição feroz ao então candidato e, inevitavelmente, uma nítida polarização da sociedade. O país dividiu-se em polos. As pessoas, tal como os galos numa rinha, passaram a odiarem-se.
É esse o contexto que O saldo da Guerra, o filme de Mario Zeymison, em pouco mais de um minuto, denuncia. E consegue. Sem contextualizar o espectador (o que pontuo como extremamente positivo) a narrativa acompanha alguns breves relatos de pessoas segurando fotos que retratam suas “perdas” numa guerra (pegando o gancho do título do filme), que teoricamente foram as disputas de narrativa no período das eleições presidenciais no Brasil. O filme passa pelo primeiro dia da Mostra Sururu como um foguete atravessando a sala de cinema, despedindo-se sem demora. Nos primeiros segundos, entende-se a sua mensagem. Menos de um minuto depois, é recebido com entusiasmo pelo público presente, do qual fiz parte. A catarse do público e a minha são plenamente justificadas. Afinal de contas, um ano depois das eleições que elegeram Bolsonaro, todas as promessas de campanha, que até então pareciam ameaças, tornaram-se realidade. Tal como o último personagem do curta, estamos sem paciência e isolados de nossos pares.
Passada a euforia, me fiz o seguinte questionamento. A quem interessa a guerra retratada no filme? Refiro-me à guerra de argumentos que travamos com nossos vizinhos, padrinhos de casamentos, clientes do bar, etc, que inevitavelmente, acabam culminando na diluição, por vezes definitiva, dessas relações. Ainda, quais são as consequências práticas de nos perdermos? Não raras vezes esses afastamentos implicam em isolamento. E esse isolamento acaba impossibilitando novas trocas. Convenientemente, preferimos estar juntos aos nossos nessa guerra. E essas bolhas fazem com que nos aproximemos de pessoas que tenham uma visão política e de mundo equivalente à nossa, nos alienando do que acontece fora dela. Não é necessário discorrer muito para entender a gravidade desse movimento quando se pensa numa possibilidade real de articulação popular e mudança social.
A guerra retratada no filme beneficia exclusivamente o status quo, pois nutre-se da ignorância e do isolamento. Numa rinha entre galos, os dois são galos. Como faremos com que as perdas nessa disputa não sejam nossas? Dos galos? Organizando-se e saindo da bolha. Meu desejo é que os donos dos galos sejam dissolvidos e caiam. Esse será um saldo de guerra verdadeiramente promissor e digno de aplausos.
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