Crítica: O Saldo da Guerra (dir. Mário Zeymison)

Texto: Marcio Ferreira da Silva. Revisão: Larissa Lisboa

Manifesto da perda e bobagem

Um filme não passa incólume porque tem um enredo atraente ou um envolvimento catártico com os protagonista ao final da cena. Um filme também atordoa o espectador por conter um pequeno tempo de exibição. É o caso de O saldo da guerra, de Mário Zeymison.

Atraente. Efusivo. Escrachado. O filme segue um lógica e um roteiro totalmente ligado a essas questões. E podemos explicar isso! Primeiro, ele é atraente porque se mostra simplório e ao mesmo tempo problemático, quando se mostra planos de pessoas com fotos de perdas; efusivo porque na tentativa de comunicar-se (o filme e o espectador), torna-se expansivo e impactante; e, terceiro, o escrachamento: “Perdi minha paciência, porra!”, cujo sentido catártico e antitético em relação à sequência do filme forma a voz dissonante, porque só ele é dono de sua própria voz.

O filme toma o instante do nosso tempo para construir a partir de um manifesto da perda a ideia de contemporaneidade. Somos perdas. Somos metades. Sempre algo nos falta. Na verdade, existimos na ausência do outro, na falta existencial, como dizia Lacan.

Se retomarmos os planos do filme, podemos dizer que Zeymison toma as sequência das personagens com suas fotografias como um mote crescente do manifesto à perda, à falta. Simetricamente, uma voz narrativa introduz as sentenças a partir de: “perdi isso…” ou “perdi aquilo…”, revelando rostos sérios e às vezes tristes diante da frase.

Há ainda nesse jogo uma interposição de imagem sobre imagem, ou seja, a imagem apresentada pelas personagens e a imagem do próprio filme, produzindo um mise-en-scène agudo na representação das cenas, ou seja, cenas paradas (como uma fotografia) e uma cena viva (último plano – o homem se retira do quadro).

Zeymison assume sua disposição de quebrar a falta, a ausência, a perda, quando, no último plano, nos mostra um grandalhão, barbudo, de expressão séria e carrancuda, que produz: “Perdi minha paciência…”, rasgando o papel com o dizer “Paciência”, que apresenta nas mãos. O todo do plano é contraditório às outras cenas apresentadas anteriormente, que formam o esgotamento da percepção que fazemos da realidade e da perda.

Agora o impacto é a retirada imediata de cena da personagem no último plano. Ao que parece comprometer até o cenário montado e parece fazer perceber o olhar do espectador. A saída abrupta revela uma negativa ao discurso do preenchimento da falta, como se o homem contemporâneo não necessitasse de faceta para se autoidentificar no mundo.

Daí o aspecto de bobagem e riso que ao final da cena ao espectador se mostra. Sem saber reconhecer o seu lugar de leitor de si mesmo, o curta denuncia o esconderijo da falta (objeto), provavelmente porque o espectador acha melhor ser um bobo e rir ao final do filme.

E olha que Zeymison diz tudo isso em um minuto.

Poxa!

Foda!

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